Título: Emissoras públicas tornam-se palanque
Autor: Marin,Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/09/2009, Internacional, p. A16

Na América Latina, intenções nobres se convertem em capital político

Na maioria dos países sul-americanos, a justificativa usada pelos governos para mudar o panorama dos meios de comunicação é a mesma: democratizar o acesso e diversificar o conteúdos. A nobreza da intenção, entretanto, contrasta com o uso oportunista que muitos presidentes fazem da lei.

O projeto de radiodifusão aprovado na madrugada de ontem pela Câmara de Deputados da Argentina é o exemplo mais recente. Pelo texto, os telespectadores terão, em tese, acesso a novos canais educativos e culturais, mantidos por universidades, sindicatos e ONGs, além dos canais comerciais já existentes. Na prática, entretanto, o governo de Cristina Kirchner poderá usar sua tradicional influência nos grandes sindicatos argentinos para ampliar o alcance de sua mensagem política, ao mesmo tempo em que tenta impedir que os grandes grupos privados concentrem mais de 35% dos clientes de TV por assinatura, por exemplo.

"A América Latina tem um longo histórico de uso privado do patrimônio público", disse ao Estado o brasileiro Diogo Moisés, coordenador de uma pesquisa sobre sistemas públicos de comunicação que aborda a experiência de 12 países. "Na Europa, a TV já nasceu pública. Até os anos 80 não havia emissoras privadas. Em países como Portugal, Itália, Grã-Bretanha, Alemanha, Japão e Holanda, o cidadão é quem financia as TVs públicas. No Japão, Austrália e Canadá, as emissoras públicas líderam a audiência."

TENTATIVA

Mas a experiência sul-americana de abrir o mercado de TV para as emissoras públicas ainda engatinha. Na Venezuela, o presidente Hugo Chávez, há dez anos no poder, controla seis emissoras de televisão, oito de rádio, uma agência de notícias e a maior provedora de internet do país. Além disso, Chávez tem o apoio de dezenas de jornais e patrocina mais de 150 rádios e 28 televisões comunitárias.

"Chávez tem uma pretensão hegemônica declarada. É o caso mais extremo na região", disse o diretor da Universidade Central da Venezuela, Miguel Ángel Latouche. "O argumento é que os grandes grupos privados de comunicação da Venezuela já exerciam uma hegemonia e um papel político forte."