Título: A segunda independência e o dividendo eleitoral
Autor: Moraes, Marcelo de
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/09/2009, economia, p. B5

O trocadilho é tão simplório quanto real: a Petrobrás será a plataforma da campanha eleitoral de 2010, com a qual o presidente Lula pretende eleger sua sucessora, Dilma Rousseff. A proposta de marco regulatório para exploração do pré-sal, apresentada ontem, inaugura a campanha e deixa explícita a meta de resgatar a empresa como o grande orgulho nacional que a gestão de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, "sepultou" nos ventos do "neoliberalismo entreguista".

No papel e no discurso, na explicação técnica de Dilma e na fala política de Lula, a fase privatista do País na era tucana foi um erro de fundo ideológico que a recente crise mundial cuidou de corrigir. A exposição técnica da ministra referencia o ano de 1997 como aquele que marcou a redução do papel do Estado na vida do País e o de 2009 como o que faz a revisão do papel do Estado. O presidente, trocando em miúdos - e traduzindo para ruas e palanques -, diz que seu governo, popular e social, vai resgatar para o Brasil aquilo que os governos da elite entregaram ao estrangeiro.

O tom está dado é não há qualquer sutileza ou constrangimento, nem mesmo quando a fotografia de 2009 com que a ministra celebra a gestão Lula aparece vazia de números e repleta de perspectivas. A exposição em power point descreve um contexto em que o País tinha baixa rentabilidade e risco elevado, era importador de petróleo e carente em investimentos. A Petrobrás não tinha captação externa, enfrentava elevado custo de capital e o preço do petróleo por barril era de US$ 19. Em 2009, no contexto revisionista do governo Lula, o país "descobriu" uma das maiores províncias petrolíferas do mundo, tem parque industrial diversificado e uma perspectiva de aumento da capacidade de exportação. E o preço do barril é de US$ 65.

O pré-sal não foi "descoberto" agora, o Brasil continua importando petróleo, a solidez da Petrobrás não foi desenvolvida no governo Lula nem na sua fase estatal, como o Presidente sintetizou em seu discurso.

Mas o oportunismo eleitoral determina que importa a eficiência da estratégia evidenciada ontem e não a precisão histórica. Assim como a reação dos governadores dos Estados produtores - Rio, São Paulo e Espírito Santo - é contornável. O que importa ao governo é sair na frente como "descobridor" do pré-sal (que "nunca antes se viu neste País"), com a apresentação (mais que a aprovação imediata) do marco regulatório e sua discussão pelo Congresso.

A retirada da urgência da tramitação, admitida por Lula como uma concessão aos governadores e empresários, seria mais uma ajuda do que um problema: serviria para tirar de cena a CPI da Petrobrás, além de dar ao governo algo mais que o PAC para levar ao eleitor, que já percebeu sua fragilidade como programa de governo. Além disso, com a entrada em cena da candidata Marina Silva, a guerra intestina, que opôs ambientalistas e desenvolvimentistas no governo Lula, vai para as ruas com razoável poder de reduzir a força eleitoral do PAC.

Assim, o discurso de condenação quase criminal das privatizações, que embaraçou o candidato Alckmin na campanha eleitoral, voltará forte. O pré-sal ditará o discurso nacionalista e se constituirá em poderosa arma contra a oposição. Não por outra razão, o presidente Lula cunhou frases bem ao gosto do melhor populismo, comparando o marco regulatório a uma "segunda independência" do Brasil e os privatizadores de ontem a "exterminadores do futuro".

E, claro, não faltou a menção a Getúlio Vargas nem o slogan dos anos 50 - "O Petróleo é Nosso". São frases típicas de marqueteiros, entre os quais um dos mais competentes é o próprio presidente da República. Com resultados previstos para 2020, o Pré-sal só renderá dividendos políticos aos sucessores de Lula. Hoje, só rende eleitoralmente. É o que basta.