Título: Nossos filhos pagarão a conta
Autor: Giambiagi,Fabio
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/09/2009, Economia, p. B2
Nas próximas semanas deve ser votado o substitutivo a um dos projetos do senador Paulo Paim, regulando o pagamento das aposentadorias - substitutivo que, se aprovado, comprometerá o cenário fiscal a ser enfrentado por nossos filhos quando tiverem a nossa idade. É difícil esperar visão de longo prazo de uma das legislaturas mais lamentáveis da história do nosso Parlamento. O que é incompreensível é que essa falta de sensibilidade acerca das consequências futuras dos atos praticados hoje seja avalizada pelo Executivo. E, o que é mais espantoso, sem que uma única conta tenha sido apresentada mostrando o impacto das medidas!
Os projetos do senador são tão absurdos, tão divorciados de qualquer cuidado com o rigor matemático, tão acintosamente despojados de preocupação com a sua consistência, tão evidentemente pautados pelo objetivo único e exclusivo da reeleição, que propostas alternativas acabam ganhando, comparativamente, ares de moderação. O problema é que, quando se gastam 10 e se pretende passar essa despesa para 40, uma elevação do dispêndio para 13 será mais branda, mas no fim das contas implicará um incremento de 30% do gasto!
Do que se trata o acordo pactuado na semana passada com as centrais sindicais, em torno do substitutivo? O projeto em questão era inicialmente uma tentativa de evitar que acabasse o fator previdenciário, ao qual, pelo noticiário jornalístico, teria sido acrescentada a extensão, até 2023, da regra de aumentar o piso previdenciário em razão do crescimento do PIB com dois anos de defasagem. Em vez de extinguir o fator, o que poderia gerar uma imagem de irresponsabilidade, pretende-se criar uma regra pela qual seria mantido, mas, respeitadas certas condições, ele seria igual à unidade, o que implicitamente corresponderia à sua eliminação para certas situações: especificamente, os casos em que a soma de idade e de tempo contributivo ao se aposentar seja igual a 95 anos, no caso dos homens, e a 85 anos, no caso das mulheres.
Por exemplo, um homem que tenha 56 anos de idade e 35 de contribuição - somando 91 anos - tem hoje um fator previdenciário de 0,75, que não seria afetado pela medida. Porém, se a pessoa contribuísse mais 2 anos, chegaria a 58 de idade e 37 de contribuição, somando 95. Nesse caso, o fator seria igual a 1.
Onde reside o problema? Para entender isso, vejamos qual é o fator previdenciário para algumas combinações somando 95 anos, no caso dos homens, colocando a idade no primeiro termo, entre parênteses, o tempo contributivo, em anos, no segundo termo e, ao lado, o valor do fator previdenciário: (55,40), fator de 0,84; (56,39), 0,85; (57,38), 0,85; e (58, 37), 0,86.
Já no caso das mulheres, o valor do fator previdenciário, para combinações que correspondem a 85 anos, somando a idade e o tempo contributivo, seguindo o mesmo critério de apresentação entre parênteses, são: (50,35), 0,70; (51,34), 0,71; (52,33), 0,71; e (53,32), 0,72. Na média, aproximadamente, com a regra atual, o fator previdenciário é 0,85, para os homens, e 0,71, para as mulheres, em tais circunstâncias.
O que acontecerá no futuro, se o substitutivo for aprovado? Nessa situação, o fator previdenciário em tais casos seria igual à unidade, implicando um aumento real de 18% (1,00 vs. 0,85) do valor das aposentadorias masculinas e de 41% (1,00 vs. 0,71) das femininas.
A reposição do conjunto dos aposentados se faz em 25 a 30 anos. Quem era aposentado em 1970, hoje provavelmente já faleceu. Da mesma forma, é provável que a maioria das pessoas que estiverem aposentadas em 2010 não esteja mais aqui em 2040. Os adultos de hoje serão os aposentados de amanhã e os atuais jovens serão os futuros adultos. O resultado da proposta é que aposentados com certo rendimento real cederão lugar, pelo processo natural de substituição associado ao ciclo da vida, a aposentados que ganharão 20% ou 40% a mais.
Caberá então a pergunta que Al Gore cita no documentário Uma Verdade Inconveniente, acerca dos efeitos de longo prazo da negligência do ser humano: "Um dia nossos filhos olharão para nós e dirão: ?Mas onde é que vocês estavam quando isso estava acontecendo? O que estavam esperando para acordar??"
Se no futuro a carga tributária chegar a mais de 40% do PIB, o que diremos a nossos filhos quando esse dia chegar e os recursos do pré-sal já tiverem se esgotado?
*Fabio Giambiagi, economista do BNDES, é autor do livro Reforma da Previdência (Ed. Campus)
O colunista Celso Ming está em férias.