Título: Artista registra luta contra a aids
Autor: Venceslau,Pedro
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/09/2009, Vida&, p. A13

Vik Muniz reuniu 1.200 voluntários em São Paulo para construir imagens de campanha contra o preconceito Quando a professora Aparecida Lemos ficou cega em decorrência do vírus da aids, no ano passado, muitos amigos lhe aconselharam a mentir. Como não apresenta nenhum outro sinal da doença, afirmaram que deveria dizer que perdera a visão por causa de um glaucoma. Soropositiva desde 2000, ela ignorou as "sugestões" e passou a usar o caso como exemplo do preconceito contra pessoas que vivem com o HIV. "Muita gente diz: "Nossa, você está tão bem, nem parece ter aids." E às vezes me perguntam: "Se você está bem, por que contar?""

Aparecida estava ontem em um ginásio de Guarulhos, Grande São Paulo, onde 1.200 voluntários, boa parte deles com o HIV, serviram como "matéria-prima" para a mais ousada ação do Ministério da Saúde voltada para o 1º de dezembro, Dia Mundial de Luta contra a Aids, e antecipada pela coluna Direto da Fonte. Do alto de uma grua de 16 metros, o artista plástico Vik Muniz comandou a multidão na arquibancada, que formou mosaicos gigantes: a imagem de beijos de dois casais homossexuais e um casal hetero, uma mãe soropositiva sendo beijada pelo filho sem o vírus, autorretratos do autor, entre outros.

Os voluntários foram recrutados por meio do Serviço de Atenção Especializada das unidades de saúde. Chegaram de camiseta preta, em ônibus fretado, assinaram uma autorização de imagem e não receberam cachê, apenas lanche e refrigerante no intervalo.

Vik Muniz, que veio de Nova York especialmente para a ocasião, também não cobrou nada. A ação custou R$ 100 mil e o produto final será usado como símbolo da campanha do governo contra o preconceito e a discriminação, o mote do próximo 1º de dezembro. Quando finalizada, a imagem será doada para museus de grande circulação no Brasil e também deve ser usada em uma campanha publicitária.

Vik Muniz conta que a inspiração para o mosaico humano veio do Festival das Luzes da Coreia do Norte, que ele pesquisou usando o YouTube. "O maior desafio aqui é a sincronia. Na Coreia, eles passam até quatro meses ensaiando. Se alguém errar, já sabe, vai para o paredão", brincou. "Hoje teremos poucas horas." A imagem escolhida, o beijo, foi ideia do autor.

AINDA O PRECONCEITO

"A maioria da população sabe que não se pega aids com beijo ou aperto de mão, mas ainda existe muito preconceito. Segundo uma pesquisa que fizemos no ano passado, 18% das pessoas não comprariam alimentos de alguém soropositivo e 20% não deixariam o filho ter aula com um professor portador do HIV", diz Mariangela Simão, diretora do departamento de DST/aids do Ministério da Saúde.

Segundo o último boletim epidemiológico do ministério, foram registrados no Brasil - entre junho de 1980 e junho de 2008 - 506.499 casos de aids no Brasil. Destes, 66% são homens e 34% mulheres. Mas estima-se que existam aproximadamente 630 mil pessoas vivendo com o vírus. O Brasil registra, em média, 11 mil óbitos por ano em decorrência da doença.

"Nós todos somos portadores da mudança de comportamento que o vírus trouxe", afirma Vik Muniz.