Título: Segurança para os mercados
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/09/2009, Notas e informações, p. A3

A maior crise financeira dos últimos 80 anos foi provocada, em grande parte, por executivos incentivados a gerar lucros a qualquer custo. Alguns deles continuaram recebendo bônus mesmo depois de iniciada a quebradeira no setor bancário. Tudo isso provocou indignação, censura e muita retórica moralista, mas só agora, um ano depois da falência do banco de investimentos Lehman Brothers, surge uma proposta sensata e com sentido econômico para eliminar a distorção. O plano, elaborado pelo Conselho de Estabilidade Financeira, formado por dirigentes de bancos centrais das maiores economias, será incluído na pauta da cúpula do Grupo dos 20 (G-20), que se reúne quinta e sexta-feira próximas em Pittsburgh, nos EUA.

Pela proposta, os bônus pagos a dirigentes de bancos serão condicionados não só ao resultado financeiro dos negócios, mas também à administração de riscos. Um dos critérios será a adequação do capital ao volume e ao tipo de operações de cada instituição. Isso deverá, segundo os autores do plano, funcionar como um freio para a busca de lucros em aplicações perigosas.

Executivos de bancos e até políticos têm rejeitado a imposição de controles ao pagamento de prêmios com uma alegação aparentemente sensata: a remuneração de profissionais do mercado é uma questão privada. Esse argumento pode valer na maior parte dos casos, mas não é aceitável quando os bônus servem de estímulo à irresponsabilidade e contribuem para a insegurança dos mercados. É papel dos órgãos de regulação cuidar do bom funcionamento dos sistemas e sua obrigação é combater, com os instrumentos legais, todo fator de instabilidade.

Essa intervenção será possível, se os governos aceitarem as propostas e forem capazes de implantá-las. "Reguladores poderão dizer: os bônus são excessivos para seu nível de capital; sua capitalização é insuficiente", explicou o presidente do Conselho de Estabilidade Financeira, Mário Draghi, chefe do banco central da Itália. Pela proposta, a limitação dos bônus deverá ser adotada juntamente com os novos padrões de capitalização e de segurança das instituições financeiras. Não se espera a adequação dos níveis de capital de um dia para o outro, explicou Draghi.

A ideia é promover um ajuste gradual, sem bloquear repentinamente a capacidade de empréstimos das instituições. O roteiro do ajuste foi definido, nas grandes linhas, por dirigentes de bancos centrais num encontro recente promovido pelo Banco de Compensações Internacionais (BIS), de Basileia.

As autoridades do G-20 ainda terão muitos detalhes para discutir, quando cuidarem da implantação das novas normas de Basileia e das propostas de limitação dos bônus pagos a executivos. O presidente da França, Nicolas Sarkozy, tem defendido a criação de um teto para os prêmios. Seu colega americano, Barack Obama, defende uma ampla reforma do sistema financeiro, mas tem descartado a adoção de um teto para os prêmios por desempenho. A proposta do Conselho de Estabilidade Financeira é mais flexível que a de Sarkozy, por não estabelecer um limite fixo, e talvez facilite uma convergência de posições.

Com mais técnica e menos moralismo, as autoridades monetárias abrem caminho para a elevação dos padrões de segurança no mercado financeiro. Não se trata de propor apenas uma ampliação do papel do Estado e um engessamento dos mercados, mas de zelar pela estabilidade do sistema.

As lições da crise recomendam uma nova divisão entre o espaço público e o espaço estritamente privado na condução dos negócios. A atividade empresarial envolve riscos e isso é da essência do capitalismo, mas o controle e a limitação do risco interessam ao próprio sistema. Isso dá sentido à cobrança de informações mais amplas das empresas para os mercados. Um dos objetivos da nova regulação elaborada pela Comissão de Valores Mobiliários é ampliar a informação sobre os padrões de segurança das empresas para evitar, entre outras consequências, a repetição das aventuras com derivativos tóxicos. Grandes empresas brasileiras perderam muito dinheiro, durante a crise, com operações especulativas. Pelas normas propostas e ainda em consulta pública, toda empresa deverá, no lançamento de ações, informar sua exposição a riscos e discriminar seus investimentos.