Título: A dívida da Argentina
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/09/2009, Notas e informações, p. A3

Depois de 17 anos sem comprar aviões, a Aerolíneas Argentinas ? controlada pelo governo ? está colocando no ar novos aparelhos, com autonomia para voos intercontinentais de 6 mil quilômetros. Mas esses aparelhos só podem ser utilizados em voos domésticos. Se voarem para outros países, poderão ser retidos por ordem judicial a pedido de credores do governo argentino que nada recebem desde a declaração da moratória da dívida externa do país, em 2001.

Para afastar de vez esse risco e superar outros problemas criados pela moratória ? o pior dos quais é o fechamento do mercado internacional para os financiamentos de que o país necessita ?, o governo argentino anunciou que está disposto a se acertar com os credores que não aceitaram as condições impostas em 2005 pelo então presidente Néstor Kirchner. Quem aceitou a troca dos títulos da dívida ? cujo total ultrapassava US$ 150 bilhões ? pelos papéis então oferecidos incorreu em pesadas perdas. Ou aceitavam isso ou não receberiam nada, ameaçava Kirchner.

Uma parte dos credores não aceitou. Os detentores de cerca de US$ 20 bilhões da dívida recusaram os termos ditados por Kirchner e vêm procurando meios legais para receber aquilo a que têm direito, inclusive apontando bens do governo argentino no exterior para sequestro judicial como garantia de pagamento.

A Argentina tem também uma dívida de US$ 6,9 bilhões com 19 países que formam o Clube de Paris ? entre os quais Estados Unidos, Alemanha, França e Japão ?, cuja renegociação está parada desde o início do governo de Cristina Kirchner, em dezembro de 2007. Segundo o jornal La Nación, a renegociação será um dos temas centrais da viagem que a presidente faz a Washington.

O ministro da Economia, Amado Boudou, confirmou que está negociando com os credores privados que não aceitaram as condições oferecidas em 2005 e também que estão em andamento as negociações para o pagamento da dívida com o Clube de Paris ? provavelmente em cinco anos, com a contrapartida de novos empréstimos para o país.

O parcelamento dessa dívida está condicionado ao monitoramento das finanças públicas da Argentina pelo FMI, alvo de pesadas críticas do governo. No fim de agosto, Boudou afirmara que o governo não aceitaria a intromissão do FMI na política econômica. Mas a necessidade do país de ser readmitido no sistema financeiro internacional ? do qual necessita para organizar suas finanças internas e obter recursos que sustentem seu crescimento ? está fazendo o governo mudar o discurso. Há dias, o mesmo ministro Amado Boudou disse que a Argentina estava disposta a aceitar o monitoramento do FMI, "desde que não seja do mesmo tipo do que foi feito no passado". Agora, confirma que está em entendimentos também com o FMI, "de modo que até o fim do ano haverá uma definição" sobre a parcela da dívida argentina ainda pendente de um acerto com os credores.

Se o governo fechar esses acordos, a Argentina poderá ter acesso novamente aos mercados internacionais de capitais e reduzir os custos dos financiamentos. Mas persistirá outra dúvida na área externa. Mesmo tendo imposto grandes prejuízos aos que aceitaram sua proposta de 2005, a Argentina continuou com dificuldades para honrar os compromissos e teve de rever as condições de um lote de papéis com vencimento entre 2009 e 2012. O governo anunciou na semana passada que obteve a adesão de 76% desses credores à proposta de troca dessa parte da dívida ? no valor de US$ 22 bilhões ? por títulos com vencimento em 2014 e 2015.

Analistas calculam que, apesar desse alívio, o governo terá dificuldades para honrar os outros compromissos que vencerão em 2010 e que somam US$ 13,2 bilhões. Até o ano passado, o governo Kirchner contou com o apoio financeiro do presidente venezuelano, Hugo Chávez, mas essa fonte secou, depois que a crise fez cair o preço do petróleo. O chefe de gabinete do governo argentino, Aníbal Fernández, garante que o país não terá problemas para pagar o que vencerá no ano que vem ? os credores gostariam de ter certeza disso.