Título: Reeleição revela onda oportunista
Autor: Charleaux,João Paulo
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/09/2009, Internacional, p. A13
Desde 1995, mudar a Constituição em benefício próprio virou um hábito dos presidentes da região
Em mais da metade dos 12 países sul-americanos, o direito à reeleição foi aprovado em benefício próprio pelos presidentes em pleno exercício do cargo. A onda de oportunismo teve início em 1995, com Carlos Menem, na Argentina, e espalhou-se por toda a América do Sul - com exceção de Chile, Uruguai e Paraguai, onde o presidente é proibido de exercer o cargo por dois mandatos seguidos.
"Nos últimos dez anos, a única reforma política que avançou na América do Sul foi a que estendeu os mandatos presidenciais", disse ao Estado a diretora do instituto de pesquisa chileno Latinobarometro, Marta Lagos. "Nenhum país aprovou reformas sobre o sistema partidário ou a respeito de financiamento de campanha. Nada de abrangente ou profundo foi alterado. Tudo ficou resumido a projetos pessoais de permanência no poder."
Dos presidentes sul-americanos que governam atualmente, quatro alteraram a Constituição para ampliar seu tempo de mandato. Outros dois - Brasil e Argentina - fizeram o mesmo, mas em gestões passadas.
Na Venezuela, na Bolívia e no Equador, a mudança foi aprovada em referendo. Na Colômbia, foi o Congresso que aprovou o direito de o presidente do país, Álvaro Uribe, concorrer a sua primeira reeleição. Se a emenda que permite a segunda reeleição do colombiano passar na Corte Constitucional, também irá a referendo. Guiana e Suriname permitem que seus presidentes exerçam dois mandatos seguidos, mas nestes países, o dispositivo foi criado antes dos anos 90.
"A América do Sul é uma região onde as reformas políticas têm nome e sobrenome. Elas são feitas para beneficiar uma pessoa em particular", disse Lagos. "Não significa que as mudanças não sejam necessárias, mas elas nunca são propostas para o mandato seguinte, são sempre para o presidente em exercício."
Na Argentina, o ex-presidente Néstor Kirchner conseguiu eleger sua mulher, Cristina, como sucessora. A estratégia permite que tanto um quanto outro volte a disputar a presidência nas próximas eleições, marcadas para outubro de 2011.
No Brasil, o direito à reeleição foi introduzido pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1997. Ele mesmo foi beneficiado pela medida e venceu as eleições no ano seguinte.
Na época, o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou a reeleição presidencial. No entanto, dez anos depois, o próprio Lula conseguiu reeleger-se e, recentemente, seus aliados tentaram levar ao Congresso o debate sobre a possibilidade de um terceiro mandato no Brasil.
TENTAÇÃO
Dos três países sul-americanos que não permitem dois mandatos presidenciais seguidos, pelo menos um deles - o Chile - acena com eventuais mudanças.
Quando esteve em São Paulo, em julho, a presidente chilena, Michelle Bachelet, que entregará o cargo em janeiro do ano que vem, disse com exclusividade ao Estado que "prefere um mandato de cinco anos ou um de quatro anos com direito à reeleição".
No entanto, Bachelet disse que "jamais mudaria a Constituição em benefício próprio", em uma crítica aos presidentes de países vizinhos. Chile e Uruguai têm os mandatos mais curtos entre os países da América do Sul - apenas quatro anos.