Título: Governabilidade e atraso político
Autor: Fornazierié,Aldo
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/08/2009, Espaço aberto, p. A2

Entre a intelectualidade e políticos tucanos e petistas, cada um a seu modo, circula a tese de que ambos os partidos - PSDB e PT - representam as forças modernizadoras do País, mas, quando no governo, precisam aliar-se ao atraso para garantir a governabilidade. As alianças, de fato, são necessárias. O que é altamente duvidoso é que o PSDB e o PT representem um diferencial reformador e modernizante e, nesse sentido, também moralizador ¿ entendendo-se que transparência e moralidade pública constituem um aspecto importante da reforma modernizadora do Estado.

O Brasil, com Fernando Henrique Cardoso e Lula, sem dúvida, andou para a frente. Mas por determinações que, em boa medida, independeram do PSDB e do PT. Em vários momentos específicos, PT e PSDB se posicionaram e votaram de forma a representar o atraso em matérias de economia, de políticas sociais e de reforma política e administrativa. Evidentemente, em outros momentos, votaram e defenderam proposições que representaram avanços modernizadores. Mas os outros partidos também adotaram a mesma conduta ambígua.

Na questão da moral idade pública e do combate à corrupção, os dois partidos tiveram a mesma trajetória ambígua e equívoca dos demais. Do discurso moralizador do PT oposicionista sobraram apenas escombros. O PSDB não passa de uma pálida sombra da força moralizadora que rompeu como o PMDB e com o quercismo. PT e PSDB reduziram o discurso moralizador e o combate à corrupção a mero ativo eleitoral e, por isso, a discurso manipulador e de conveniência. Ambos os partidos são tão responsáveis pela crise do Senado quanto outros, ainda mais quando se considera que em 2010 se completam 16 anos de governos tucano e petista. A forma que tiveram ou têm no Executivo definia e define o dever de liderar a reforma politica e institucional. Preferiram, no entanto, acomodar-se no mesmo sistema de privilégios e de corrupção em que se congraçam todos os partidos.

A tese da aliança entre modernização e atraso para garantir a governabilidade parte de um pressuposto realista. O realismo político, de fato, é necessário para garantir eficácia, resultados e para fugir da impotência das postulações ingênuas. Mas o realismo, para não se tornar cínico, deve vir sempre acompanhado dos princípios da moral pública e da ética republicana de que o fim último da política é o bem público do povo e que isso implica o combate à corrupção, porque a corrupção degrada a República.

Quanto o realismo se torna cínico, a política começa a provocar asco e nojo e favorece a disseminação do discurso antipolítico. O Brasil, com a crise do Senado e com um longo rosário de escândalos, parece ter chegado a esse ponto. Basta perceber que os "moralistas" do passado recente confraternizam com os "corruptos" de ontem e de hoje. A situação se complica ainda mais porque nem sempre a disseminação de asco, nojo e discurso antipolítico provoca desconforto nos políticos. Quanto este ambiente se instaura, a corrupção e o cinismo adquirem status de normalidade na vida política.

O fato é que tanto o PT quanto o PSDB, tanto Lula quanto Arthur Virgilio entraram mal e continuam mal na crise do Senado. O PSDB e Arthur Virgílio apresentam um déficit de legitimidade moral. O PT também vem perdendo essa legitimidade, além de ser um partido sem norte e sem vértebras. O presidente Lula parece acreditar que a popularidade de que goza o torna isento de qualquer responsabilidade histórica e parece estar confundindo a fama do momento com a imorredoura glória que deve ser buscada pelos grandes estadistas c pelos grandes líderes. Somente essa confusão parece explicar o seu aval ao estado de coisas degradante do Senado.

Ao que parece, o poder fez muito mal tanto ao PSDB quanto no PT. A potência modernizadora de que estavam imbuídos se erodiu. O PSDB tornou-se uma cabeça sem corpo e um corpo sem cabeça. Não há sinergia entre os cardeais que dirigem o partido e a militância que quer ter um partido. O PT caminha a passos largos para se transformar num PMDB de esquerda, estadualizado, fragmentado, sem substância nacional e sem liderança capaz de produzir e de conduzir um projeto de país.

Desta forma, tal como o governo FHC representou o apogeu da potência transformadora do PSDB, o governo Lula parece estar representando o apogeu da potência transformadora do PT. Um ou outro (PT ou PSDB) poderá ainda governar o Brasil no próximo período, mas numa trajetória de declínio, não só do partido que vencer as eleições, mas de fraqueza do próprio presidente que se elegerá. Para que esse vaticínio não se concretize seria necessário não só refundar os dois partidos, mas também reformatar as lideranças que estão ai, tornando-as aptas a reagrupar as formas reformadoras, modernizantes e moralizadoras em torno do futuro governo.

Como essa perspectiva parece ser bastante duvidosa, vários segmentos sociais e políticos buscam uma alternativa capaz de fazer uma critica ao PT e ao PSDB. Essa alternativa, neste momento, certamente não será encarnada por nenhum partido, mas poderá. É por isso que a perspectiva da candidatura de Marina Silva provoca entusiasmo em vários setores.

Mas para que essa alternativa se concretiza serão necessários movimentos de difícil execução:fugir ao exótico capacidade de agrupar as forças reformadoras dispersas em diversos partidos, apresentar um programa que compatibilize o desenvolvimento com um novo paradigma tecnológico e com as demandas sociais e ambientais e capacidade de dialogar e atrair diversos grupos sociais. Se essa alternativa se concretizar, ela fará bem não só à politica brasileira, mas também ao PT e ao PSDB, pois estes serão provocados a frear seus apetites e refundar seus projetos.

Aldo Fornazierié diretor acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Politica de São Paulo