Título: A censura é um absurdo, é uma excrescência
Autor: Assunção,Moacir
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/09/2009, Nacional, p. A13

Sociólogo diz que medida contra "Estado" é sinal de regressão na política, que remete aos tempos da ditadura militar

Professor emérito da Universidade de São Paulo (USP) e um dos fundadores do PT, partido com o qual rompeu em 2003, o sociólogo Francisco de Oliveira, conhecido como Chico de Oliveira, vê a censura ao Estado como sinal claro de um processo de "regressão da política". Para ele, o cenário remete, cada vez mais, aos tempos da ditadura militar, principalmente nos países que considera de fraca tradição democrática, como o Brasil e a Rússia. "O que ocorreu é inominável, um horror que até temos dificuldade de adjetivar", diz.

"A imprensa tem sido um dos poucos canais que a expressão popular pode utilizar e essa censura prévia não é isolada. Ao contrário, é parte de um processo de avassalamento da cidadania e das instituições democráticas, que sofrem uma brutal crise de representatividade", alerta.

Desde 31 de julho, por decisão do desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF), a partir de solicitação do empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), o Estado está proibido de publicar qualquer reportagem referente à Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, que investigou os negócios da família.

Na quarta-feira, o Conselho Especial do TJ considerou o desembargador suspeito e o afastou do caso, por ter feito críticas ao jornal. Apesar disso, a liminar da censura foi mantida, em uma decisão criticada por vários juristas. O novo relator, Lecir Manuel da Luz, vai decidir agora se a censura continua ou será abolida. Eis a entrevista:

Por que houve a censura ao jornal, na visão do senhor?

A censura - e o Estado viveu isso durante a ditadura, quando teve de publicar poemas de Camões e receitas de bolo no lugar de notícias proibidas de circular - é um absurdo completo e uma excrescência. Lamentavelmente, no mundo inteiro, temos assistido a um processo de regressão da política, que é extremamente preocupante. Com a censura ao jornal, se tocou em um ponto nevrálgico da cidadania, que é a liberdade de expressão, um bem muito caro à sociedade, que lutamos muito para conquistar. Mas é tudo parte de um processo em que parece que voltamos ao passado. E, pior, a um passado sombrio, que pensamos que jamais voltaria. É uma situação um tanto quanto surreal.

O que causa esse processo?

Com a centralidade do mundo globalizado, o Executivo, em todos os países, mas principalmente nos de pouca tradição democrática, como o Brasil e a Rússia, se tornou praticamente o único Poder, onipotente e todo-poderoso. O Executivo legisla, julga e executa. Qual foi a lei importante surgida nos últimos anos de autoria do Legislativo no Brasil? Nenhuma. O Legislativo nunca mais teve importância no País depois da ditadura militar. Não pôde, por proibição do regime militar, lidar com temas orçamentários, por exemplo, mas o Orçamento é o coração do Estado moderno, o que o torna praticamente supérfluo. Assim, há um processo de avassalamento do Legislativo, que chega a outras instâncias da sociedade, como à imprensa, simbolizado por esse caso do Estado. Por outro lado, o governo tem atuado por meio das medidas provisórias. As MPs que, como o próprio nome diz, deveriam servir para situações muito especiais. Aqui, porém, a exceção virou regra. Há também muitos parlamentares que apreciam essa condição de servilismo.

Há muitos casos de jornais do interior censurados também via Judiciário, a pedido de prefeitos e outras autoridades.

Esse processo ocorre em todos os lugares. A imprensa, com todos os seus problemas, tem sido a possibilidade de a sociedade se pronunciar. Se essa voz é calada, sobra muito pouco. Os partidos estão totalmente descaracterizados. Parece que tanto faz como tanto fez. Os sindicatos, por sua vez, estão enfraquecidos e, em muitos casos, falidos. Esse é um momento muito difícil para a cidadania no Brasil, porque não temos meios de nos defender desse Poder gigantesco que é o Executivo. O cidadão não pode ficar condenado a se pronunciar somente de quatro em quatro anos, durante as eleições.

O caso da família Sarney e o Senado poderia se enquadrar no velho Estado patrimonialista brasileiro, que faz questão de marcar a sua autoridade?

Há uma divisão clara de trabalho na família que lembra a velha tradição das famílias oligárquicas. Antes, um filho ia para o Exército, outro para a carreira religiosa, outro para a política e, por fim, outro, quase sempre visto com o menos inteligente, para os negócios. Hoje, ninguém mais quer ser general ou padre e a única preocupação dessa nova elite é enriquecer nos negócios. A gente podia até se divertir com as estripulias da família no Senado, mas agora, com a censura, nem isso pode.

Como a sociedade pode lutar contra esse movimento que o sr. chama de regressão às antigas formas de política?

Infelizmente, não vejo motivos para otimismo. A sociedade sofre todos esses problemas e perde as suas poucas possibilidades de expressão, mas a economia vai bem, está crescendo até. Então, há pouco ânimo para criticar a situação, o que é lamentável. Não vejo uma situação melhor em curto prazo. Esperamos que tudo isso seja um ciclo e as eleições de 2010, talvez, ajudem a mudar um pouco esse panorama. Mas, lamentavelmente, acho que esses são tempos sombrios e há pouco a fazer para mudar esse quadro. Vivemos um período muito difícil.