Título: Berço da revolução vira retiro marxista
Autor: Trevisan,Cláudia
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/09/2009, Internacional, p. A19

Cidade que foi laboratório do regime comunista é usada como centro doutrinário para funcionários de estatais

Nenhum outro lugar da China está tão ligado à trajetória dos comunistas rumo ao poder quanto Yan"an, a empoeirada cidade encravada nas montanhas do norte da Província de Shaanxi que foi a base de Mao Tsé-tung e seus seguidores.

De 1935 a 1948, a região experimentou a revolução antes do restante do país, com a distribuição de terras aos camponeses, a criação de instituições marxistas de ensino, a ampla doutrinação política, a adoção de um estilo de vida austero e a imposição de uma disciplina militar.

Homens e mulheres lutavam lado a lado e todos se vestiam com os mesmos uniformes azulados de algodão e sapatos de pano pretos que eram os preferidos de Mao. Os líderes comunistas viviam em pequenas casas escavadas nas encostas das montanhas, como muitos dos antigos habitantes de Shaanxi, onde a terra é arenosa.

A coesão dos comunistas e a austeridade de seu estilo de vida ajudaram a criar uma mística romântica em torno de Yan"an, que atraiu jornalistas e esquerdistas estrangeiros. Entre eles estava o repórter americano Edgar Snow, que passou meses com Mao e seus camaradas em 1936 e escreveu o primeiro relato ocidental sobre os comunistas, Estrela Vermelha sobre a China.

Publicada em 1937, a obra se transformou em um clássico sobre aquele período da história chinesa. O livro foi o primeiro a apresentar ao mundo - e aos próprios chineses - o perfil dos líderes comunistas que viviam em Yan"an e lutavam duas guerras simultâneas: contra os nacionalistas de Chiang Kai-shek, que formalmente governavam a China, e os invasores japoneses que dominaram grande parte do país a partir de 1937.

Mas a Yan"an de hoje está mergulhada em uma febre de construções que promete deixar os dias empoeirados para trás. Ao mesmo tempo em que se moderniza, a cidade atrai um número crescente de visitantes para suas 351 atrações "vermelhas".

Além dos turistas, membros do partido, do governo e de estatais fazem peregrinações à cidade, em meio às constantes campanhas de doutrinação promovidas para moralizar uma organização cada vez mais distante dos dias austeros de Yan"an.

A reportagem do Estado encontrou um grupo de gerentes da China National Petroleum Corporation (CNPC), a maior empresa de petróleo do país. Vindos da província sulista de Guangdong, eles ficariam em Yan"an por três dias para estudar o "espírito da revolução" e refletir sobre como empregá-lo nos dias de hoje.

Entre os que visitavam as casas dos líderes comunistas em Yan"an estavam três gerações da família Wu: o filho de 3 anos, seus pais, avós e tios-avós. Vinda da Mongólia Interior, a tia-avó disse que sempre ouviu relatos sobre a mística de Yan"an e decidiu ver o local de perto. "Eles tinham uma vida muito dura", afirmou, depois de percorrer uma das bases comunistas.

Todas as atrações da cidade são gratuitas e a mais recente delas é o gigantesco Museu da Revolução de Yan"an, que existe desde 1950, mas ganhou uma nova sede no dia 28 de agosto.

Na quarta-feira, Hu Bu Zhong, de 58 anos, e seu pai, Hu Jun Lin, de 82, visitavam pela primeira vez o edifício, que tem 30 mil metros quadrados e uma exposição que se estende por 1,6 quilômetro. "Meu pai foi várias vezes ao antigo museu, mas é a primeira vez que entra no novo", afirmou Hu filho.

O forte da exibição são as fotos dos líderes comunistas, dos seguidores do partido e dos confrontos com nacionalistas e japoneses. As imagens são organizadas em ordem cronológica e acompanhadas de textos sobre cada período, carregados de exaltação aos ideais revolucionários.

O enfrentamento com o Japão foi tão importante quanto a guerra contra os nacionalistas e uma sala inteira do museu é ocupada por armamentos dos invasores capturados pelos comunistas.

"Depois de oito anos de brava luta e derramamento de sangue, o povo chinês ganhou a guerra de resistência contra o Japão. Essa luta foi a primeira dos últimos 100 anos em que houve uma completa vitória na guerra pela libertação nacional", ressalta um dos textos da exibição.