Título: De volta, Esteves sonha em virar lenda
Autor: Friedlander,David
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/09/2009, Economia, p. B9

Banqueiro relança o Pactual e já fala em abrir o capital na bolsa

Na noite de quarta-feira, o banqueiro André Esteves estava agitado como sempre, mas eufórico como nunca. Sua filha completava 11 anos e estava difícil sentar à mesa para jantar com a família. O celular e o telefone de casa não paravam de tocar. Amigos, clientes e outros curiosos queriam saber da reunião daquela tarde, quando os 68 sócios de Esteves optaram entre acompanhá-lo numa nova empreitada ou desligar-se para sempre do grupo. Ao final, 25 foram embora. Era o último obstáculo à recompra do Pactual, um dos principais bancos de investimentos do País. Esteves agora tem, novamente, um banco para chamar de seu.

O BTG Pactual abre as portas amanhã, às 8 horas, como um dos maiores bancos de investimentos dos países emergentes. "É o maior negócio da minha vida. Pelo tamanho, porque recuperamos nossa plataforma, por tudo que esse banco representa na minha vida", diz Esteves. "A gente podia botar uns dois bi de dólares no bolso e ir curtir na praia, mas estamos apostando tudo nesse negócio".

Esteves era um dos donos do Pactual em 2006, quando o banco foi vendido ao grupo suíço UBS, por US$ 3,1 bilhões. Em abril deste ano, com a crise debilitando as finanças do UBS, ele liderou a recompra do Pactual, por quase US$ 2,5 bilhões. Junto com a BTG, uma firma de investimentos de Esteves e seus sócios, o novo banco tem US$ 2 bilhões de patrimônio, administra US$ 30 bilhões em fundos e US$ 10 bilhões em grandes fortunas. Lá trabalharão 1.000 funcionários e 70 sócios, entre eles o economista Pérsio Arida.

"Para trabalhar aqui precisa ter inspiração e transpiração", diz Esteves. "Além de sólida formação acadêmica, é preciso ser ambicioso e ter muita vontade de ser rico."

Rico Esteves já é. Bilionário antes dos 40, sua grande ambição hoje é virar uma lenda do mundo financeiro, um novo Jorge Paulo Lemann, o criador do Banco Garantia. Para isso, o Pactual precisará crescer. Esteves e os sócios falam em abrir o capital do banco, mas dizem que é um projeto de médio prazo. Quanto seria possível levantar na bolsa? "Talvez uns US$ 2 bilhões. Mas isso não é cálculo, é só para dar uma ideia."

O sonho de consumo de Esteves, dizem pessoas próximas a ele, é tornar-se sócio do Bradesco. Ele já tentou isso pelo menos uma vez. Foi em 2004, quando foi à Cidade de Deus, sede do Bradesco, oferecer o Pactual. De acordo com sua proposta, o pagamento seria feito com ações do próprio Bradesco. A oferta foi recusada, mas volta e meia Esteves toca no assunto.

"Houve uma proposta, ela foi avaliada e recusada", diz um dos principais executivos do Bradesco. "Isso pode até continuar sendo um desejo dele e o interesse nos deixa lisonjeados. Mas nossas culturas são muito diferentes". Questionado sobre o assunto, Esteves desconversa e diz que "não tem nada".

Nas últimas semanas, houve outra negociação envolvendo Esteves e o Bradesco. O banqueiro aproximou o empresário Eike Batista da Cidade de Deus, para que ele pudesse propor a compra da participação acionária que o Bradesco possuiu na mineradora Vale. Eike ofereceu cerca de R$ 9 bilhões, mas a oferta foi recusada.

Do pagamento pelo Pactual, ocorrido na sexta-feira, à aprovação da placa de entrada do novo escritório, Esteves está completamente envolvido com o relançamento do banco. Quando chegarem amanhã ao trabalho, os 1000 funcionários encontrarão cartões de visita, formulários e o site da empresa já timbrados com os novos logo e nome do banco. O banqueiro assina uma carta de boas vindas, na qual chama os funcionários de "futuros sócios".

Pessoas que conhecem Esteves identificam nele a preocupação de dar um polimento na imagem, algo arranhada por episódios do passado. Dono de um talento reconhecido até pelos adversários, ele carrega a fama de brigar com os sócios e, muitas vezes, tirar da frente quem atravessa seu caminho. No passado, viu-se envolvido no episódio do Banco Marka, por suspeita de uso de informação privilegiada para operar no mercado. Ao final, foi inocentado.

No final dos anos 90, participou diretamente do movimento que tirou o Luiz Cezar Fernandes do Pactual. Fundador do banco e responsável pela contratação de Esteves, Fernandes tinha negócios pessoais malsucedidos, estava endividado e pediu um empréstimo aos sócios, entre eles Esteves. Fernandes queria quitar o empréstimo com os bônus que iria receber, mas os sócios mais jovens exigiram suas ações em troca e acabaram tirando-o do Pactual.

"O Pactual funciona num sistema de meritocracia. Os melhores são promovidos e sempre surge alguém mais jovem para substituir os mais velhos", diz o banqueiro. "O Luiz Cezar me ensinou assim. Um dia ele foi substituído e no futuro vai aparecer alguém melhor do que eu para sentar no meu lugar".

Parte dos 25 sócios que deixaram o Pactual na semana passada estava ressentida com Esteves. Na compra do Pactual, o UBS pagou US$ 1 bilhão no ato e outros US$ 2,1 bilhões ficaram para 2011. Ao recomprar o banco, Esteves assumiu a dívida. Os sócios que saíram vão receber US$ 700 milhões - 76% agora e o resto até 2011. Como o negócio com o UBS foi desfeito, queriam receber tudo de uma vez.

Para entender o comportamento de Esteves, é preciso conhecer o mundo dos bancos de investimento. Eles ficam na ala mais nervosa do sistema financeiro e não trabalham com produtos triviais, como contas correntes. Seus clientes são pessoas e empresas com muito dinheiro.

O funcionário desse tipo de banco compete com colegas de outras instituições, mas também com o amigo do computador ao lado. A competição existe em outras profissões, mas nesse segmento ela ocorre minuto a minuto. Quem para de ganhar dinheiro perde o lugar.

Esteves foi forjado nesse meio, em que prevalece a lei do mais forte. Nascido num família de classe média do Rio de Janeiro, começou sua carreira no Pactual, aos 22 anos, como programador de sistemas. Um dia ganhou uma oportunidade na mesa de operações e, num piscar de olhos, virou uma estrela das finanças brasileiras.