Título: EUA chegam ao G-20 enfraquecidos
Autor: Mello, Patrícia Campos
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/09/2009, Economia, p. B10

Para economistas, guinada protecionista afetou a credibilidade comercial do país e ameaça a sua liderança

Apesar do status de celebridade do presidente Barack Obama, os Estados Unidos chegam com estatura reduzida à cúpula das 20 maiores economias (G-20), em Pittsburgh, que começa amanhã. O principal motivo é a recente guinada protecionista do governo Obama, com a imposição de tarifas de 35% sobre os pneus chineses e a insistência em não cumprir as determinações da Organização Mundial do Comércio (OMC) no caso do algodão.

Mas não é só isso. O país tem pouco a mostrar em várias áreas. Já faz um ano que o banco Lehman Brothers quebrou e até agora a regulamentação financeira patina. A principal ideia do governo, de estabelecer uma agência de proteção ao consumidor de produtos financeiros, enfrenta oposição ferrenha dos bancos e do Congresso. A Securities and Exchange Commission (SEC, a comissão de valores mobiliários dos EUA), estuda formas de tornar a remuneração de executivos financeiros sujeita à sua aprovação. Essa é uma maneira de evitar medidas mais drásticas como tetos aos pagamentos.

O próprio Obama não demonstra grande disposição de bater de frente com os bancos, apesar de seu discurso contra os abusos. "Por que é que nós vamos limitar a remuneração de executivos de Wall Street, mas não de empreendedores do Vale do Silício ou da liga de futebol americano", disse na semana passada. Mas a França e a Alemanha fizeram dessa questão uma "prioridade não negociável", como disse ontem a ministra das Finanças francesa, Christine Lagarde.

Em relação à proposta de um mecanismo para corrigir os desequilíbrios globais, em que os EUA teriam de reduzir seu déficit e endividamento e aumentar sua poupança, Obama tampouco terá muito a mostrar. Até o fim do ano, o Tesouro terá de pedir ao Congresso um aumento no teto da dívida pública - atualmente em US$ 12 trilhões. O déficit do orçamento deste ano será de US$ 1,58 trilhão, o equivalente a 11,2% do PIB. A única vez em que os EUA tiveram um déficit dessa magnitude foi durante a Segunda Guerra Mundial. A promessa de redução do déficit do orçamento com reforma da saúde é considerada uma "previsão excessivamente otimista" por vários analistas.

"A credibilidade dos EUA, principalmente em comércio, foi duramente atingida, e sua capacidade de liderança no G-20 diminuiu", disse Dan Ikenson, diretor associado de Política Comercial do Instituto Cato. "O Brasil poderia dizer que, enquanto os EUA afirmavam só estarem cumprindo as regras da OMC ao impor tarifas sobre a China, quando se trata de cumprir determinação do sistema de resolução de controvérsia da OMC no caso do algodão, a história é outra."

Para Tim Duy, professor de Economia da Universidade de Oregon, o mecanismo de reequilíbrio é ótimo - no papel. "Trata-se de algo que soa bem, mas ninguém, particularmente a China ou os EUA, pode fazer um comprometimento sério para redução dos desequilíbrios", diz. "A economia americana está estruturalmente desalinhada, em um grau perturbador. Nós não fabricamos os produtos que queremos comprar e temos a capacidade de produzir coisas - como casas caras - que ninguém quer comprar."

Em seu blog, Simon Johnson, pesquisador do Peterson Institute, assinala que a abordagem dos desequilíbrios não terá resultado até que se ponha pressão sobre os países superavitários para valorizar suas moedas. "Mas não vejo como a proposta do governo vá mudar isso, principalmente com o secretário Timothy Geithner e a secretária Hillary Clinton tão ansiosos em ser deferentes aos chineses compradores de títulos da dívida dos EUA."

Os EUA também chegam a Pittsburgh na defensiva, já que vários países ressaltam que a crise começou nos EUA e, por isso, os americanos precisam mostrar serviço. A chanceler alemã Angela Merkel pede limites de remuneração para executivos financeiros, especialmente nos EUA, "porque causaram a crise global". A Alemanha, ao lado da China e do Japão, acumula superávits comerciais com os EUA e resiste a interferências em seu modelo exportador. A China também. E aponta para a culpa dos EUA na falta de supervisão financeira e especulação. E os europeus dizem não entender por que eles teriam de abrir mão de seu poder no FMI, em benefício de emergentes, por causa de um processo desencadeado pelos EUA.