Título: Crime, punição e castigo: PPPs são a solução?
Autor: Timm,Luciano Benetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/09/2009, Espaço aberto, p. A2

O momento que vivemos no Brasil, de discussão acerca de superlotação de presídios e decisões judiciais que não decretam a prisão preventiva de acusados, parece dividir a sociedade em dois mundos: de um lado, o dos juristas, que reflete a preocupação com o devido processo legal, com as garantias constitucionais e com o Estado de Direito; de outro, o da opinião pública, que clama pelo endurecimento das penas. Parece que a imprensa e a população agem com emoção e os juristas, com distanciamento científico.

Nesse mundo construído sobre a ficção da lei e da Constituição, as prisões só seriam cabíveis após esgotados os recursos para o acusado (como, aliás, decidiu o Supremo Tribunal Federal). E as penas deveriam ser para socializar o preso. Mas existem teorias igualmente científicas que sustentam o mundo da opinião pública e o "sentimento" dos jornalistas por aumento de fiscalização e das penas, que, infelizmente, podem estar mais próximas do mundo empírico.

Vale aqui lembrar as lições de Gary Becker, Prêmio Nobel de Economia. Segundo Becker - que já propôs a liberação das drogas -, o infrator é uma pessoa comum, não um doente social ou uma vítima da sociedade. Nesse sentido, o crime é uma atividade econômica como outra qualquer. A prática de uma infração é sempre resultado de uma ponderação entre o benefício auferido pelo ato, o risco de ser pego, a pena a ser aplicada e as opções alternativas de alocação do tempo, que é escasso para todos.

Criminosos e descumpridores das leis, genericamente falando, não têm nenhum desvio de caráter (salvo em crimes muito específicos, como os sexuais). Há sempre uma margem de escolha no delito econômico-patrimonial (maior para uns, menor para outros), ainda que a racionalidade do agente não seja perfeita. Há assimetria de informações, algumas limitações cognitivas, mas, no limite, sempre há opção. Tanto que é comum a migração da atividade criminosa: ora se assaltam bancos, depois farmácias e postos de gasolina, depois condomínios de luxo, até chegar aos cofres públicos.

É ingênuo acreditar que a atividade criminosa seja reflexo apenas de condições sociais e que, mudando isso, o crime diminuirá. Criminosos de diversos ramos de hoje já fizeram muitos investimentos em sua carreira profissional. Trocar no momento do ápice seria, no mínimo, irracional. Conforme esse entendimento, o combate aos ilícitos passa então, no longo prazo, por formulação de políticas públicas que deem às pessoas alternativas razoavelmente lucrativas de alocação do seu tempo com atividades lícitas (e, novamente, educação é o caminho óbvio e ignorado). Mas depende também, no curto prazo, de maior fiscalização do descumprimento da lei e do próprio cumprimento da pena (aumento da probabilidade de ser e permanecer preso). E - por que não? -, dependendo de estudos empíricos, de aumentos de pena para os que, por profissão, optaram pelo delito.

Isso não significa, claro, abandonar os presos à própria sorte num presídio desumano. Mas, certamente, deixá-los soltos tampouco resolve o problema. O crime, como dito acima, é uma carreira, como qualquer atividade econômica. Começa com atividades simples (como furtos) e evolui para coisas mais complexas (roubos, latrocínios, cofres públicos). E mais: quem já investiu muito tempo numa carreira teria muito custo em mudar de profissão.

Se o cumprimento de pena é importante, desde Beccaria ela deve ser proporcional ao delito. Desse modo, pequenos delitos devem ter pequenas punições e acompanhamento rigoroso do condenado, em vez da ausência de pena e impunidade, como ocorre no Brasil.

É aqui que as parcerias público-privadas (PPPs) parecem particularmente promissoras. O Estado ficaria com presídios de segurança máxima, onde deve haver muito controle e há maior risco social, e a iniciativa privada poderia ficar com a fiscalização do cumprimento de penas leves e de regimes semiabertos e abertos, em que os presos podem trabalhar.

Contrariamente às PPPs, há informações recentes trazidas pela imprensa que dão conta do elevado custo de manutenção do preso no sistema privado (chegando a R$ 2 mil/mês). Mas esse custo deve ser ponderado à luz do benefício.

O primeiro seria o contribuinte ficar livre de extensa folha de futuros aposentados públicos com privilégios que adviriam de cadeias públicas. E, associado a ele, liberar a sociedade civil dos "sindicatões" públicos, que podem fazer greve sem custo salarial algum. Em adição, os funcionários privados corruptos poderiam ser mais facilmente demitidos. Sem falar que o "custo social", nas palavras de Coase, de um criminoso à solta é provavelmente muito maior que R$ 2 mil por mês (considerando seus roubos, furtos e violência). Portanto, é melhor que haja um controle privado, diante do absoluto abandono dos Estados da Federação da fiscalização de cumprimento de penas leves e de regimes que não o fechado.

As PPPs, então, garantiriam, de um lado, punição e monitoramento do cumprimento de penas leves, o que educaria os hoje pequenos delinquentes; de outro, economizariam muitos recursos em segurança privada, que desnecessariamente consome parte do PIB brasileiro.

Quantos delitos são praticados por presos em liberdade condicional ou que gozaram algum benefício que os deixa, na prática, absolutamente soltos (inclusive os corruptos)?

Se a sociedade brasileira quiser dar o salto para o Primeiro Mundo, terá de finalmente aceitar cumprir regras, e isso não existe sem sanção, sobretudo no âmbito penal. Afinal, a sociedade é formada por indivíduos, que fazem suas escolhas e devem ser responsáveis por elas.