Título: Território do Brasil para a democracia
Autor: Mendes,Candido
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/09/2009, Internacional, p. A16

A presença de Manuel Zelaya na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa não diz respeito mais do que à questão clássica do direito de asilo como instituição latino-americana. Nasceu ao longo do último século como salvaguarda em termos até da integridade física dos governantes, nas idas e vindas ao poder. Traduzia a garantia de sobrevivência - diante de assassinatos ou linchamentos - frente à violência política desses regimes instáveis e autoritários. E refletia o pique autorizado para que continuassem indefinidamente as brigas entre as oligarquias, nascidas dos regimes semicoloniais da tradição do continente.

Zelaya, agora estendido entre cadeiras na sala de despacho do embaixador, é o perfil de um novo protagonismo institucional e quer o respaldo de uma maturidade da consciência democrática, no respeito da legitimidade de governos e da luta para restabelecê-los. Há uma consciência nova no continente quanto a um basta aos golpes e em bem da vigência da democracia como primeira premissa para o seu desenvolvimento sustentável na América Latina.

A era Obama surgiu como pano de fundo desse avanço a superar de vez as rotações oligárquicas. De toda forma, falhou a missão Oscar Arias, bem como o empenho morno da OEA, de ir adiante dos conformes e protocolos de repúdio, das retiradas de embaixador, eliminação de créditos ou restrições de vistos.

A maturidade de uma consciência histórica não se pode valer dos prévios laços da convenção internacional. Depende de gestos fundadores e de nações que, no âmbito desse novo arranque, vençam o conformismo com o abuso continuado. O Brasil hoje não tem rival, nas nossas vizinhanças, no respeito à democracia e no direito a lutar pela sua exportação a nações irmãs. Nesse contraponto, a liderança do Planalto resgata o continente frente às equívocas repúblicas bolivarianas. Por certo, o seu risco se encontrava latente, também, na futura Honduras de Zelaya. Mas o perigo de amanhã não justifica a violência de hoje, no advento putchista de Micheletti.

O mais importante é o quanto o gesto inédito sacudiu a resignação em que o golpe já se sedimentara, na incapacidade das pressões externas clássicas para a volta à legalidade do governo hondurenho já, e de vez. Sem água, luz ou telefone, o território brasileiro em Tegucigalpa torna-se um pódio para um futuro irreversível. É o da crise benéfica, a mostrar a intolerabilidade da quebra dos governos legítimos e do quanto a democracia vai à frente nos preços para garanti-la.

*Candido Mendes é cientista político e reitor da Universidade Candido Mendes