Título: Pela 1ª vez, vacina reduz risco de aids
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/09/2009, Vida&, p. A20

Apesar de preliminar, resultado apresentado ontem aponta queda de 31% na possibilidade de contrair a doença

Pela primeira vez uma vacina contra a aids teve sua eficácia mensurável, diminuindo o risco de infecção. Os resultados foram divulgados ontem. Cientistas combinaram duas vacinas que isoladamente haviam fracassado e descobriram que, juntas, elas podem reduzir em 31,2% o risco de uma pessoa ser infectada pelo HIV, vírus causador da aids.

A comunidade internacional comemorou os resultados históricos, mas afirmou que há um longo caminho até que a vacina seja comercializada em larga escala. A Organização Mundial da Saúde (OMS) exige nível de proteção, no mínimo, de 70% a 80% para autorizar a venda.

A pesquisa custou US$ 105 milhões aos cofres dos Estados Unidos e foi realizada com 16,3 mil voluntários na Tailândia, local considerado um laboratório a céu aberto para testes de aids. Do total de voluntários, metade recebeu há três anos placebo (produto que não produz nenhum efeito) e o restante, uma dose de duas vacinas. A primeira - a Alvac, da empresa francesa Sanofi Pasteur - tinha o objetivo de imunizar o organismo contra o HIV e a segunda - Aidsvax, da entidade sem fins lucrativos Global Solutions for Infectious Diseases -, a missão de fortalecer sua resposta. O trabalho foi conduzido pelo Programa de HIV do Exército Americano, em colaboração com centros de pesquisa e com o Ministério de Saúde da Tailândia.

A OMS entrou com suporte logístico e técnico. O envolvimento de militares americanos demonstra, segundo a OMS, a preocupação da Casa Branca em relação à doença. Documentos do Departamento de Defesa dos Estados Unidos consideram a aids uma "ameaça à segurança internacional".

Em carta à OMS, o coronel Jerome Kim, que liderou os estudos no Departamento de Defesa dos EUA, declarou que o resultado é a "primeira evidência de que se pode ter uma vacina preventiva e segura". A previsão era de que uma vacina seria obtida apenas em 2030.

A ONU estima que a aids mata todos os anos 2 milhões de pessoas no mundo - o total chega a 25 milhões desde que a doença foi descoberta, há 25 anos. Atualmente há 33 milhões de infectados. Em várias regiões, a aids nutre o subdesenvolvimento e a pobreza. Por já terem fracassado em avaliações anteriores, a decisão dos EUA de voltar a testá-las foi criticada por cientistas. Parte da comunidade científica chegou a atacar o projeto, alertando que um fracasso geraria perda de dinheiro e de credibilidade.

TESTES

Antes de participar dos testes, os 16 mil voluntários fizeram exames para comprovar que não eram portadores do HIV. Eles foram aconselhados a usar preservativos e instruídos a não adotar comportamento de risco. A cada seis meses, eles realizavam novamente os exames. A Defesa dos EUA garantiu acesso gratuito a remédios para os contaminados.

O sinal verde para a pesquisa foi dado em 2006 pela OMS. Três anos depois, os cientistas chegaram aos primeiros resultados. Entre os 8,1 mil vacinados, 51 foram contaminados. Entre os que tomaram placebo, o número chegou a 74. Tanto os cientistas como a OMS garantiram que o resultado não se tratou de mera casualidade.

Uma das dificuldades é que não há garantia de que as vacinas teriam o mesmo impacto em outras regiões do mundo porque o tipo de HIV encontrado na Ásia não é o mesmo da África. "Ainda resta saber se a vacina poderia ser aplicada em outras partes do mundo com populações com outras características genéticas e diferentes subtipos de HIV", alertou a OMS.

Os tipos de HIV usados na vacina foram o B - predominante na Europa, EUA e América Latina - e o E, predominante na Ásia. O vírus mais comum na África, região mais atingida, não foi testado. Em relação ao Brasil não há provas de que possa funcionar, mas os cientistas se mostram mais otimistas, já que o subtipo de aids encontrado no País também é o B.

Os resultados, que serão oficialmente apresentados em outubro, foram comemorados ao redor do mundo. "Finalmente, depois de tantos momentos de depressão, estamos vendo uma luz", declarou a diretora do Departamento de Vacinas na OMS, Marie Paul Kyeni, que nos anos 1990 desenvolveu a tecnologia que possibilitou o teste na Tailândia. "Esse é um dia muito significativo e uma grande conquista da ciência", disse Seth Berkley, presidente da Iniciativa Internacional em Vacina contra a Aids.

A OMS acredita que uma vacina poderá frear a expansão do vírus ao redor do mundo e ter um impacto significativo até na redução da pobreza. Mas, enquanto o produto não chega, afirma a organização, todas as medidas de prevenção precisam ser reforçadas - orientações de comportamento sexual, distribuição de preservativos, campanhas de informação e uso de seringas descartáveis.

COMEMORAÇÃO

Jerome Kim Coronel do Programa de Pesquisa do Exército Americano

"É a primeira evidência de que se pode ter uma vacina preventiva e segura"

Witthaya Kaewparadai Ministro de Saúde da Tailândia

"O resultado é um grande progresso científico"

Mitchell Warren Diretor executivo da Coalizão em Defesa da Vacina contra a Aids

"Vivemos um dia histórico"

Anthony Fauci Diretor dos Institutos Nacionais de Saúde

"Não é o fim da estrada, mas a partir desse avanço podemos chegar a grandes conquistas"

PERGUNTAS E RESPOSTAS

Por que os testes feitos na Tailândia são tão importantes?

Pela primeira vez desde que pesquisadores começaram a desenvolver vacinas contra a aids, há 18 anos, um teste obteve resultados mensuráveis. O anterior, realizado pela Merck, foi suspenso em 2007

Os brasileiros serão beneficiados por essa vacina?

Não há garantias de que a vacina terá o mesmo impacto em outras regiões do mundo. Isso porque há vários tipos e subtipos de HIV. Mas os cientistas estão otimistas porque na pesquisa foi utilizado o tipo B - segundo o Ministério da Saúde, 90% dos brasileiros que têm aids possui esse tipo

O que será feito agora?

Ainda há um longo caminho até que a vacina possa ser disponibilizada para a população. A taxa de proteção precisa subir dos atuais 31,2% para 70%