Título: Não esperem que a terra mexa
Autor: Francis,Theo ;LeVine ,Steve
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/09/2009, Economia, p. B 17

As cúpulas sobre economia podem ser acontecimentos de grande valor durante as crises, mas a busca de um novo equilíbrio do comércio ou a reforma da regulamentação precisa de bem mais do que uma reunião. Até amanhã à noite, os líderes das 20 maiores economias, dos Estados Unidos à África do Sul, que representam 85% da economia global, terão participado de jantares, reuniões, almoços, reuniões e feito seus pronunciamentos. Mas, se a História pode servir de juiz, é muito provável que não cheguem a resultados imediatos ou duradouros.

Evidentemente, esta semana, em Pittsburgh, sobre a mesa da reunião do G-20 há questões de muito peso: o reequilíbrio do comércio mundial, a reforma do sistema financeiro global, a redução da remuneração dos executivos, o abandono do protecionismo e um planejamento para que os governos consigam livrar-se de seu profundo envolvimento nos mercados financeiros. Mas as autoridades já procuram desestimular expectativas exageradas. "Esta não é uma cúpula de US$ 1 trilhão", disse aos repórteres Mike Froman, vice-assessor nacional de Segurança da Casa Branca para assuntos econômicos internacionais, na semana passada.

As cúpulas costumam produzir resultados confusos. Poucas se equiparam aos lendários acordos de Bretton Woods, de 1944, que estabeleceram a ordem econômica mundial para as três décadas seguintes. Desde então, a maioria tem sido menos ambiciosa e produziu resultados confusos. O Acordo do Plaza, de 1985, assinado por Japão, Estados Unidos, França, Alemanha Ocidental e Grã-Bretanha no Hotel Plaza de Nova York, desvalorizou o dólar para ajudar os EUA a sair da recessão e reduzir o déficit comercial do país. Dois anos mais tarde, o Acordo do Louvre (acrescido da assinatura do Canadá) procurou reduzir o declínio do dólar, mas seus preceitos foram em grande parte abandonados logo depois.

Os encontros mais bem-sucedidos foram os que reuniram tecnocratas e ministros das Finanças por longos períodos, e não chefes de Estado para eventos de 24 horas, que não passaram de oportunidades para fotos de grupo. "Tenho a impressão de que, nos últimos anos, estas reuniões foram, na maior parte, meras festas elegantes", afirma o historiador e escritor de livros de economia, John Steele Gordon.

Simon Johnson, ex-principal economista do Fundo Monetário Internacional (FMI), professor do Massachusetts Institute of Technology, diz que os líderes do G-20 não estão tratando das questões mais graves que persistem após o colapso global. Em vez disso, dedicam-se a traçar planos para resolver os problemas "a médio prazo" - adiando as escolhas difíceis para quando novos desdobramentos exigirem estratégia diferente.

REDUZIR AS TENSÕES

Evidentemente, alguns críticos afirmam que é importante reunir periodicamente os chefes de Estado, principalmente nas reuniões bilaterais, à margem das cúpulas do grupo. Além disso, a realização de um fórum como o do G-20 favorece uma comunicação e uma cooperação aceleradas, o que se demonstrou de imenso valor durante a crise do ano passado, e novamente no início deste. Sua existência assinalou claramente aos mercados financeiros que os líderes mundiais estão dispostos a coordenar os gastos com os estímulos, a política monetária e outras medidas a fim de estabilizar a economia. "O problema é que há vozes demais para que se possa de fato chegar a alguma coisa concreta", diz Kenneth Rogoff, economista de Harvard e especialista em questões internacionais. "Mas a crise mostrou definitivamente o que elas podem fazer."

UM NOVO EQUILÍBRIO

Alguns estrategistas e analistas manifestam a esperança de que, esta semana, seja alcançado um progresso concreto, ainda que gradativo, em várias frentes.

Para os analistas, a necessidade de novo equilíbrio da economia é a questão fundamental da cúpula, principalmente para garantir que os EUA- cujas companhias, consumidores e governo se endividaram excessivamente nos últimos anos - continuem economizando mais e gastando menos, e a China - que acumulou enorme superávit vendendo aos EUA - tenda cada vez mais para uma economia movida pelos gastos dos consumidores e não mais dependente das exportações. Embora os economistas tenham posições diferentes quanto à influência dos desequilíbrios globais na crise, concordam em sua maioria que estes não são sustentáveis - e a expansão mundial deverá se reduzir, a não ser que os EUA economizem e a China gaste.

Entretanto, a necessária mudança deve passar, em grande parte, pelas instituições nacionais e pelos legisladores. Enquanto dá passos hesitantes na tentativa de adaptar-se a uma economia impulsionada pelo consumo interno, a China mostra-se relutante em agir rapidamente, temendo agitações sociais. Os EUA, já profundamente endividados e contemplando a possibilidade de implementar novos programas de gastos do governo potencialmente muito caros - afinal, um dos principais tópicos no Congresso é decidir se será preciso estender ou mesmo expandir o incentivo federal de US$ 8 mil para as famílias que compram uma casa pela primeira vez -, provavelmente terão dificuldade em abandonar a própria dependência do crédito.

"É importante compartilhar notas e é importante compartilhar opiniões, e tentar criar um entendimento, mas isto não é algo a se incluir num comunicado", diz Nicolas Veron, especialista em pesquisa e membro do painel de economia Bruegels de Bruxelas. "Os governos são muito suscetíveis a respeito de sua soberania fiscal e macroeconômica." Essa é uma queixa comum quando se trata de acordos internacionais, como os que em geral são produzidos nas cúpulas globais: não existem mecanismos de controle.

PROTECIONISMO EM ALTA

Outras áreas da reforma financeira, embora apareçam entre as principais prioridades nas pautas dos governos de todo o mundo, provavelmente receberão menos atenção. Isso poderá ocorrer, em parte, porque os acordos de alto nível, firmados em abril, ainda precisam ser elaborados detalhadamente - e em parte porque, como muitos previam, a elaboração desses detalhes está se mostrando um trabalho bastante delicado. Além disso, "a maior parte das questões relativas à regulamentação é tão complexa que o cidadão comum não tem como saber se algo foi feito, afirma Rogoff.

Quanto ao comércio internacional, o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio e numerosos painéis de especialistas alertaram que os membros do G-20 continuam recorrendo a barreiras protecionistas.

Outra questão que provavelmente voltará a aparecer são os esforços da China, Rússia e outros países para criar alguma outra forma de reserva monetária global além do dólar. Pequim tem se queixado de sua considerável dependência das reservas em dólares, e afirma que pretende adotar medidas para equilibrar sua carteira de investimentos.

Para começar, a China concluiu acordos comerciais relativamente pequenos em iuanes com o Brasil, Indonésia, Malásia, Coreia do Sul, e outros países.

Mas analistas americanos afirmam que a tendência não deverá levar de imediato a profundas mudanças. "Trata-se de um imperativo político para os chineses e talvez para alguns dos países exportadores de petróleo... algo que eles precisam debater, assim como os americanos precisam discutir a questão da remuneração dos executivos", diz Rogoff. "Isso terá de acontecer, mas muito provavelmente daqui a 40 anos".