Título: As universidades por um fio
Autor: Martins,José de Souza
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/09/2009, Alias, p. J6

Desde que a educação superior no Brasil entrou no oba-oba do vai quem quer, perdemos as referências e os parâmetros que nos serviam de guia. Contribuem para isso as reiteradas gozações contra as universidades e depreciações dos títulos universitários como se ouve da boca do próprio presidente da República. A apologia da ignorância não estimula nem os educadores nem os estudantes a se empenharem na pesquisa e no estudo para superarem barreiras e superar-se a si mesmos.

A divulgação, pelo Ministério da Educação, dos resultados do índice Geral de Cursos de 2008, uma avaliação de cursos superiores federais, particulares e municipais, indicou que, em todo o País, de 2 mil, apenas 21 instituições alcançaram o Índice Máximo de avaliação, que é 5. Do total, 36% das instituições tiveram notas 1 e 2, que o ministério considera insatisfatórias. Nessas escolas estudam mais de 700 mil alunos. Mas o ministério considera satisfatória a nota 3, numa escala de O a 5, e nesse resultado se situam 44% das instituições. Se levarmos em conta que o número de escolas superiores ruins saltou de 81% em 2007 para 36% em 2008, um acréscimo de quase 30% nas de desempenho completamente insatisfatório, podemos, então, entender que o que esses números anunciam é uma catástrofe na educação superior. Não é assim que se democratiza a educação.

Ao que parece, nem tudo é para lamentar. O Webometrics VI Ranking Web of World Universities, do Ministério da Educação da Espanha, indexou 6 mil universidades de todo o mundo e situou a Universidade de São Paulo 38 lugar. Nessa listagem ainda constam a Unicamp em l15º lugar e a Universidade Federal de Santa Catarina em 134~ lugar. Nas 200 primeiras colocadas estão também a Universidade Federal do Rio Grande do Sul e a Universidade Federal do Rio de Janeiro.

As dúvidas sobre essa classificação começam .quando se constata que a Universidade de Oxford, e sua extensa coleção. de Prêmios Nobel, está em 429º lugar, atrás da USP. Em janeiro deste mesmo ano, no mesmo indexador, a USP estava em 87º lugar. Em tão curto prazo, c ainda por cima com uma demorada greve de estudantes, funcionários e professores, bloqueando estudo e pesquisa, é pouco provável que mesmo universidades excepcionais possam saltar uma única posição em seu desempenho na produção e difusão do conhecimento . e muito menos 49 posições.

Embora o êxito da USP tenha sido divulgado como tendo sido ela classificada entre as cem melhores universidades do mundo, os dados do Webometries tratam de coisa bem diversa. A instituição que promove a pesquisa e a elaboração do índice opõe seus indicadores webmétricos aos indicadores bibliométricos de competên- i cia, ¿que focalizam apenas atividades da elite cientifica".O Webometrics avalia o desempenho das universidades n internet, contrapondo à forma tradicional de avaliação das reputações acadêmicas, que é a das publicações impressas. Basicamente, quantifica e valoriza a disponibilização livre de artigos científicos e de livros no formatoe-book e outras formas leves de visibilização. O índice da Wcbometrics mede um exilo, sem dúvida, mas não mede toda a extensão da competência das universidades indexadas.

Indexações apoiadas em critérios mais sólidos, como o do Conselho de Avaliação e Certificação em Ensino Superior de Taiwan, em 2007, classificavam 5 universidades brasileiras entre as 500 melhores do mundo, dentre elas a USP em 94ºlugar,a UFRJ, a Unicamp, a UFRGS, a UFMG e a Unesp. No mesmo ano, o prestigioso Higher Education Supplement, do Times, de Londres, inCluía a USP c a Unicamp entre as 200 melhores universidades do mundo.

Hoje em dia, a avaliação i mais séria das universidades, de todas as partes e das competências individuais, tem como ; uma das bases o índice de citações das obras de ~us pesquisadores em artigos e livros da mesma especialidade, Não basta publicar, é preciso ser citado por especialistas. Mesmo o recrutamento de novos docentes

pelas universidades leva em conta esse dado. Como escrevemos e publicamos numa língua irrelevante na comunidade científica, a língua portuguesa, a presença de brasileiro imos índices internacionais de citações é proporcionalmente pequena, o que não quer dizer que 2 a produção de conhecimento nas nossas universidades seja irrelevante. No geral,os indexadores mais importantes levam em conta apenas publicações em inglês.

Temos aí dois extremos. Os deploráveis resultados da avaliação federal e as oscilações nas avaliações internacionais sugerem que há universidades neste país que avançam, na competência e nos resultados, apesar de o Brasil estar longe de ter uma política consistente para as universidades. A começar da criação de cursos superiores a torto e a direito. Seria muito mais sensato evitar a criação de cursos ruins e sofríveis do que.o que se faz agora, que desaprová-las e fechá-los depois de imenso prejuízo causado a seus milhares de vitima.

Eu urgente reservar o qualificativo de universidade para instituições que verdadeiramente o sejam e que se destaquem significativamente em relação às demais escolas de terceiro ciclo. Isso permitiria estabelecer critérios de excelência para alocar recursos e diferençar as universidades pelas peculiaridades de sua missão. Nossas universidades têm um período letivo de sete meses, em tempo parcial, o que é muito pouco para a enorme carga de informação que o estudante deveria assimilar. Uma universidade como a USP custa cerca de R$ 5 milhões por dia e boa parte desse dinheiro não vai para manutenção e incremento das atividades fins, próprias de uma universidade, engolidos por carências corporativas das atividades meio. Tempo e dinheiro desperdiçados nos distanciam e muito de universidades como as do topo das classificações internacionais. Penso em Cambridge, uma universidade de Prêmios Nobel, em que O ensino é artesanal, em tempo integral, dois meses de férias por ano é exclusão automática do aluno reprovado até mesmo em uma única disciplina.

"Professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Autor de Fronteira - A Degradação do Outro nos Confins do Humano (Contexto, 2009)