Título: Distúrbios no Tibete se espalham e dalai-lama pede investigação externa
Autor: Trevisan, Cláudia
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/03/2008, Internacional, p. A10

Mais de 30 mortes são denunciadas em 3 províncias vizinhas e líder tibetano exilado acusa China de `genocídio cultural¿

Os protestos contra o governo chinês se espalharam ontem do Tibete para três províncias vizinhas - onde há relatos de dezenas de mortes - e o dalai-lama acusou a China de praticar o ¿genocídio cultural¿ de seu povo, dois dias depois que confrontos entre manifestantes tibetanos e forças de segurança terem provocado a morte, segundo exilados, de pelo menos 80 pessoas em Lhasa, capital do Tibete.

Quase metade dos 5,4 milhões de tibetanos está espalhada nas províncias de Qinghai, Gansu, Sichuan e Yunnan, que ficam próximas ou fazem parte do Platô Tibetano - o ¿teto do mundo¿, com altitude média de 5 mil metros. Entidades ligadas a ativistas tibetanos no exílio afirmaram que 34 manifestantes morreram em confronto com a polícia em Nwaga, no oeste de Sichuan, e sustentam que outras mortes ocorreram em Qinghai e Gansu.

Um policial de Sichuan citado pela Reuters afirmou que uma multidão de tibetanos incendiou um delegacia e um mercado e cercou o principal edifício do governo na localidade de Aba. ¿Eles ficaram loucos¿, disse ele por telefone. A polícia reprimiu o protesto com gás lacrimogêneo e deteve pelo menos cinco manifestantes. Ontem a China também bloqueou o acesso ao YouTube, depois que vídeos dos protestos apareceram no site.

Em Lhasa, as autoridades intensificaram ontem a busca por manifestantes que realizaram na sexta-feira a mais violenta demonstração contra o governo da China no Tibete desde 1989, enquanto Pequim deu visibilidade a seus aliados na região para condenar o que classificou de atividades separatistas apoiadas pelo dalai-lama.

Um vídeo apresentado pela CNN mostrava policiais revistando casa por casa em um bairro de Lhasa, na busca por manifestantes. No sábado, o governo pró-Pequim do Tibete deu um ultimato aos rebeldes, oferecendo clemência aos que se renderem até a meia-noite local de hoje. Os que se entregarem e derem informações sobre outros envolvidos nos protestos serão poupados de punição, diz uma nota das autoridades locais.

O governo tibetano no exílio, chefiado pelo dalai-lama, estimou o número de vítimas dos confrontos de sexta-feira em Lhasa em pelo menos 80 e afirmou que o total pode chegar a 100. A China manteve sua versão de 10 mortos e afirmou que 12 agentes de segurança ficaram ¿gravemente feridos¿ e 20 edifícios, além de dezenas de carros, foram queimados durante os protestos.

De seu exílio em Dharamsala, na Índia, o dalai-lama pediu uma intervenção internacional para investigar a situação no Tibete. Segundo ele, a herança cultural de seu povo está sob ameaça de extinção sob o domínio chinês. Apesar das críticas, o dalai-lama disse que a China ¿merece¿ ser sede da Olimpíada de agosto e se declarou contra um boicote internacional ao evento. Mas destacou que o país precisa reparar sua atuação na área dos direitos humanos para ser um ¿bom anfitrião¿.

A imprensa oficial de Pequim, entretanto, deu destaque às declarações de seus aliados entre os líderes tibetanos. O controvertido panchem-lama Gyaincain Norbu, segundo maior líder espiritual do Tibete, criticou as supostas atividades separatistas dos manifestantes. A legitimidade de Gyaincain é questionada pelos tibetanos no exílio, que o vêem como fantoche das autoridades de Pequim. De acordo com os exilados, o verdadeiro panchem-lama, ratificado pelo dalai-lama, é mantido incomunicável pelo governo da China.

¿Os atos de violência não apenas ferem os interesses da nação e de seu povo, mas também violentam os princípios do budismo¿, declarou. ¿Combatemos de maneira resoluta todas as atividades que tenham por objetivo dividir o país e minar a unidade étnica¿, afirmou o panchem-lama.

O tibetano que ocupa o cargo de chefe do governo regional, Qiangba Puncog, responsabilizou o dalai-lama pelos confrontos e o acusou de buscar a separação do Tibete da China. Na nota divulgada no sábado, as autoridades tibetanas pró-Pequim conclamaram a população a uma ¿guerra popular¿ contra os supostos separatistas: ¿Temos de iniciar uma guerra popular para derrotar o separatismo, expor e condenar os atos maliciosos dessas forças hostis e revelar a horrível face do grupo do dalai-lama à luz do dia.¿

Vencedor do Nobel da Paz em 1989, o dalai-lama sustentou ontem que não busca a separação do Tibete da China, mas sim um maior grau de autonomia, que garanta a sobrevivência da herança cultural local.

O dalai-lama fugiu de Lhasa em 1959, quando um levante da população contra o domínio chinês foi reprimido pelo Exército de Libertação Popular. Protestos para marcar os 49 anos do movimento começaram há uma semana.

No exterior também voltaram a ocorrer protestos contra o controle chinês sobre o Tibete. Houve manifestações em Paris, Bruxelas, Roma e outras capitais. O governo francês pediu que Pequim ¿respeite os direitos humanos¿.

JOGOS OLÍMPICOS

Os protestos ocorrem a menos de cinco meses da Olimpíada, o maior evento internacional da história da China. Entidades que defendem diferentes causas - do fim da pena de morte ao combate do genocídio em Darfur, no Sudão - vêem uma oportunidade no momento atual para pressionar o governo de Pequim a mudar sua posição em relação à questão de direitos humanos. Se depender deles, a pressão vai aumentar à medida que os Jogos se aproximem.

A unidade territorial está no topo das prioridades do governo chinês, ao lado da estabilidade política e do crescimento econômico. A China se esforça para transmitir uma imagem de harmonia entre a maioria chinesa han e as 55 etnias minoritárias que habitam o país e representam 8,4% da população - grupos com religião, língua e cultura próprias, como os tibetanos. Essas ¿minorias étnicas¿ ocupam 60% do território chinês, em áreas estratégicas de fronteira e ricas em recursos naturais.

A maior província da China, Xinjiang, é dominada pela minoria muçulmana e também é explosiva pela atuação de um movimento separatista que defende a criação do Estado do Turcomenistão do Leste. Depois de Xinjiang, a maior província é o Tibete. COM REUTERS