Título: Uma reforma muito tímida
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/03/2008, Notas e Informações, p. A3
Timidez é a grande marca da reforma tributária proposta pelo governo. Seus objetivos - simplificação do sistema, desoneração de investimentos e de exportações, eliminação da guerra fiscal, redução de impostos sobre a produção e a criação de empregos - parecem ambiciosos, quando enunciados genericamente. Mas, se tudo der certo, só serão alcançados com muita lentidão, alguns apenas depois de oito anos de aprovado o projeto de emenda constitucional enviado ao Congresso. Oito anos são uma eternidade, numa era de estonteantes mudanças na economia global. O Brasil, com grande atraso em sua pauta de reformas, deveria correr para recuperar parte do terreno perdido, mas o governo não parece ter pressa ou disposição para enfrentar os obstáculos políticos. Além do mais, só um esforço extraordinário de negociação e de articulação política permitirá a aprovação, neste ano, do projeto entregue na quinta-feira ao Legislativo. Se isso ocorrer - algo altamente improvável - e se o projeto não for desfigurado, ainda haverá um longo intervalo até o País colher os benefícios da mudança.
Segundo o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, a proposta não é a ideal, ¿mas é a única viável politicamente¿. É fácil imaginar os obstáculos políticos encontrados já na elaboração do projeto afinal apresentado. Mas a proposta, ressaltou, aperfeiçoará o sistema de arrecadação sem elevar a carga tributária e permitirá a desoneração da folha de pagamentos e de itens da cesta básica, além da desoneração completa dos investimentos.
A redução dos encargos sobre a folha de salários, no entanto, dependerá de um segundo projeto e este só será enviado ao Congresso num prazo de 90 dias depois da aprovação da emenda constitucional. Mas isso não liquidará o assunto. A redução do encargo patronal de 20% para 14%, à razão de um ponto porcentual por ano, só começará no segundo ano depois de aprovado o primeiro documento da reforma. Na melhor hipótese, portanto, só a partir de 2010.
A redução de impostos sobre investimentos também será lenta. Hoje, o empresário leva 48 meses para recuperar o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) pago sobre máquinas e equipamentos. Mesmo que a emenda constitucional passasse pelo Congresso neste ano, a desoneração só começaria em 2010. Em 2015 o prazo ainda será de oito meses e o encargo só desaparecerá no ano seguinte. No caso do PIS-Cofins, o prazo atual para apropriação dos créditos fiscais é de 24 meses. O governo desistiu de realizar a mudança em 2008 ou 2009 por causa da extinção da CPMF. O novo prazo não está definido.
A desoneração completa das exportações dependerá da transição da cobrança do ICMS da origem para o destino, nas transações interestaduais, e da montagem de um sistema de compensação de créditos e débitos tributários entre empresas. A implantação da cobrança no destino, importante também para a eliminação da guerra fiscal entre Estados, só se completará no sétimo ano depois da aprovação da emenda.
A melhora das condições de competitividade, portanto, só se dará lentamente. Durante muitos anos, a empresa brasileira continuará a suportar as desvantagens da tributação sobre o investimento e sobre as vendas ao exterior.
Além do mais, detalhes importantes da reforma dependerão de uma ou mais leis complementares. Entre esses detalhes incluem-se as funções e a forma de operação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). O regime de aprovação de matérias poderá ter importantes conseqüências políticas. Se for adotado o regime de maioria, regiões ou grupos de Estados com maioria de votos poderão determinar a concessão de anistias e moratórias, critérios para parcelamento de débitos fiscais e formas e prazos de recolhimento de impostos. O mais provável, portanto, será uma predominância dos Estados do Nordeste e do Norte na determinação de itens de grande importância na conformação da política tributária.
As linhas gerais da reforma proposta pelo governo são inegavelmente positivas, a começar pela uniformização do imposto estadual e pela simplificação do sistema. Os detalhes, no entanto, são decepcionantes e revelam uma grande timidez diante das previsíveis dificuldades políticas de realização de mudanças tão necessárias à modernização da economia.
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