Título: Ecstasy, a droga do glamour, da elite e dos jovens sem crise familiar
Autor: Vieira, Márcia
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/03/2008, Metrópole, p. C3

Socióloga Maria Isabel Mendes de Almeida pesquisou por três anos perfil do usuário da droga no Rio de Janeiro

As cores variam. Pode ser cor-de-rosa, verde, azul, branco. O formato é geralmente arredondado, um pouco menor do que um comprimido de Lexotan, o calmante. Alguns aparecem em forma de figuras, como no formato de coração. O ecstasy, droga que invadiu as festas de música eletrônica do Rio e de São Paulo no final dos anos 90, vinda da Holanda e da Inglaterra, não é mais tão pura desde que passou a ser fabricada também no Brasil, mas seu consumo continua em alta entre os filhos da classe média e da elite. O preço, cerca de R$ 30 um comprimido, afasta consumidores mais pobres.

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Durante três anos a carioca Maria Isabel Mendes de Almeida, doutora em Sociologia, tentou traçar o perfil do usuário da droga que já foi chamada de ¿fórmula da felicidade¿. Percorreu festas raves e boates onde a música eletrônica impera e o ecstasy, ou ¿bala¿, rola solto. Ouviu depoimentos e descobriu que o perfil destoa do padrão do usuário contumaz de drogas.

O consumidor de ecstasy é, geralmente, um jovem acima de qualquer suspeita. Responsável, tem notas boas na escola, bom relacionamento com os pais e, quando são mais velhos, já trabalham em empregos promissores. Geralmente moram com os pais, mas têm autonomia e independência. Usam o ecstasy sempre associado a festas com músicas eletrônicas.

Tomam cuidado para não se viciar e administram o uso para não atrapalhar a rotina no trabalho ou na escola. ¿São jovens bem-sucedidos, com pais tolerantes. Por isso mesmo, eles não percebem que pode estar acontecendo alguma coisa errada com os filhos¿, define Maria Isabel. O alerta só é dado quando algo sai do controle.

Foi o que aconteceu há quatro meses. Um adolescente de 17 anos morreu e outros 18 jovens foram internados durante uma rave no Rio. Lucas Francesco Amêndola Maiorano teve crise convulsiva, taquicardia e desidratação, sintomas que revelam uma overdose da droga e causaram a sua morte. Na época, a polícia prendeu a quadrilha de traficantes que forneceu os comprimidos de ecstasy consumidos na festa. Era formada por quatro jovens, de 23 a 25 anos. Todos de classe média.

Essa é outra revelação da pesquisa de Maria Isabel. Quem consome ecstasy não encara o vendedor como um traficante. ¿Ele é chamado de dealer, o que dá uma idéia mais glamourizada. Ele é um igual. Usa o mesmo tipo de roupa. É de classe média, freqüenta o mesmo ponto na praia, vai aos mesmos bares que os usuários. Outros trabalham em lojas de shoppings. Mas, na verdade, é um traficante como outro qualquer. Ele lucra com a droga¿, define a socióloga. Segundo ela, os consumidores do ecstasy, uma anfetamina que estimula o sistema nervoso central, consideram que ele é uma droga limpa. ¿Não tem cheiro, é um comprimido de mais de 250 miligramas e não está ligada à violência, como cocaína e maconha.¿

Não parece droga, mas é. Um comprimido provoca aumento da temperatura do corpo. A pessoa começa a suar ou ¿fritar¿, como a garotada diz. A temperatura corporal pode chegar ao estado de febre, de até 40 graus. Por isso, o consumo de água é alto nessas festas. Em algumas, a garrafa de água mineral chega a custar até 50% mais do que uma lata de cerveja, diferentemente do que em qualquer outro tipo de festa. A droga não deixa ninguém ficar parado. ¿Dá aquela vontade louca de dançar, dançar, sem parar¿, define R.F., advogado, de 35 anos, usuário de ecstasy por mais de dez anos. Hoje, cansado da ¿viagem¿ do ecstasy e, principalmente, do mal-estar no dia seguinte, R.F. também parou de freqüentar as baladas eletrônicas. ¿Ninguém agüenta ficar ouvindo aquilo, no meio de um monte de gente pulando, sem tomar ecstasy. É insuportável.¿

A droga desperta também o lado afetivo. ¿A droga é para se divertir, para superfruição da noite. Não tem nada a ver com sexo. Mas ela deixa a afetividade transbordando. Eles se abraçam, se beijam, dançam juntos, mesmo que não sejam amigos próximos¿, diz Maria Isabel. R.B., de 28 anos, funcionário de uma empresa de informática, sentiu na pele essa emoção. ¿Sou muito tímido. O ecstasy me deixa mais solto. Fico mais sensível, carinhoso com as pessoas. E no dia seguinte não tem ressaca.¿

Seu amigo, P.S., de 25 anos, que há dois anos usa o ecstasy quando vai a raves, percebe que a droga está mudando de qualidade desde que passou a ser fabricada no Brasil. ¿Ela bate diferente agora porque não tem as principais substâncias da droga que vem de fora¿, diz P.S.. A diferença é enorme. ¿É tão diferente como beber sempre Wyborowa (vodca polonesa) e, de repente, encarar a mais barata vodca nacional. Não tem comparação¿, analisa R.F.. Mas o efeito colateral é sempre o mesmo. ¿Dá uma tristeza, uma certa depressão no dia seguinte, além de uma sensação de resfriado.¿

Depois do mergulho nas raves, Maria Isabel não tem dúvidas. ¿Nós vivemos o momento da substância sintética, do Prozac, dos remédios que trazem felicidade, bem-estar. O ecstasy faz parte desse momento.¿ E faz uma comparação com a geração da contracultura dos anos 60. ¿Aqueles jovens queriam transgredir. Usar droga era uma forma de rebeldia. O ecstasy é uma questão de turbinação. É mais corporal, material, do que existencial.¿

FRASE

Maria Isabel Almeida Socióloga

¿Ele (o traficante) é chamado de dealer, o que dá uma idéia mais glamourizada. Ele é um igual. Usa o mesmo tipo de roupa. É de classe média, freqüenta o mesmo ponto na praia, vai aos mesmos bares que os usuários. Outros trabalham em lojas de shoppings. Mas, na verdade, é um traficante como outro qualquer. Ele lucra com a droga¿