Título: Investidores migram para as commodities
Autor: Pereira, Renée
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/03/2008, Economia, p. B3

Com medo da recessão americana, fundos trocam aplicações em ações e títulos por trigo, soja e petróleo

Os problemas desencadeados pela crise do setor imobiliário americano têm provocado uma corrida em direção às commodities e turbinado os preços no mercado mundial. Nos últimos meses, diante dos crescentes indícios de recessão nos Estados Unidos, muitos investidores preferiram se desfazer de ações de empresas e de títulos de dívida para se refugiar em ativos mais seguros, que ofereçam boa rentabilidade, como é o caso de várias commodities.

Exemplo disso é que o número de contratos nas mãos de fundos de investimentos tem crescido diariamente. Até o dia 11 de março, dados da Commodity Future Trading Commission, dos Estados Unidos mostravam que esses investidores detinham 30 mil contratos de trigo, na Chicago Board of Trade ( Bolsa de Chicago); 291 mil contratos de milho; e 104 mil, de soja. Os números são bastante altos comparados ao volume tradicional, afirmam especialistas. 'De repente todas as commodities viraram ativos financeiros cobiçados pelos investidores', destaca a economista da MB Associados, Tereza Fernandez.

Desde janeiro, o preço do cacau subiu mais de 40%; o café, 38%; gás natural, 34%; trigo, 29%; e alumínio 28%. Só na semana passada, o petróleo teve alta de quase 5% e o ouro, de 3%. 'Podemos perceber que esse comportamento esquizofrênico teve início com a posição mais firme do Fed (Federal Reserve, banco central americano) de cortar as taxas de juros para evitar uma recessão mais forte no País', observa o economista da RC Consultores, Fábio Silveira.

É claro que a ação isolada dos investidores financeiros não teria força para elevar os preços a suas máximas históricas. O movimento foi um novo ingrediente num cenário cheio de pressões por todos os lados. O principal deles é a demanda asiática crescente por produtos básicos, seja para o desenvolvimento da infra-estrutura ou para alimentação.

'Ao contrário do padrão histórico, a desaceleração da demanda doméstica americana não implicou desaceleração correspondente da demanda doméstica asiática (e chinesa)', destaca o economista-chefe para a América Latina do Banco Real ABN Amro, Alexandre Schwartsman.

Segundo ele, o forte investimento nessa região tem mantido a demanda doméstica em alta e, conseqüentemente, as importações. 'No caso das commodities agrícolas, a demanda tem sido claramente impulsionada pela melhora na renda da população, que passou a consumir mais alimentos', destaca o sócio da Paraty Investimentos, Marco Franklin. Junta-se a isso o fato de os Estados Unidos terem destinado um volume grande de milho para a produção de álcool no País.

Com preços elevados, a plantação de milho avançou sobre a produção de soja, diminuindo a oferta do grão. Para 2008, diz Franklin, a previsão era de manutenção dos preços, baseada no aumento da safra brasileira. Mas nenhuma dessas projeções contavam com o ataque especulativos dos fundos de investimentos no mercado de commodities.

Outro fator de pressão sobre os preços internacionais está associado à desvalorização do dólar ante outras moedas mundiais. Na sexta-feira, o euro renovou recorde de US$ 1,5673 ante a moeda americana. Além disso, o dólar ficou abaixo de 100 ienes pela primeira vez em 13 anos. Isso provocou a alta do petróleo, na semana passada, que terminou em US$ 110,21.

Nesse caso, diz Franklin, a demanda também está crescendo mais que a oferta. 'Para cada 5 barris de petróleo consumido no mundo se descobre um. Além disso, algumas das reservas mais importantes no passado têm apresentado taxa de declínio na produção', afirma ele.

Na opinião do representante para América Latina da Superfund, gestora de fundos austríaca, Lance Reinhardt, os dois principais fatores que estão guiando os preços das commodities são a questão da oferta e demanda e a especulação dos investidores financeiros. 'A demanda está sendo criada nos mercados emergentes e no BRIC (sigla para Brasil, Rússia, Índia e China). A especulação me parece ser o principal condutor dos preços. Esses investidores são fundos de hedge com imenso capital.'

Apesar da alta exagerada dos últimos meses e da sobrevalorização de algumas commodities, Reinhardt não acredita que o movimento seja uma bolha. Isso porque, explica o executivo, uma bolha sugere forte correção nos mercados de commodities como um todo. 'Na verdade, acredito que as commodities continuarão em tendência de alta nos próximos 10 ou 15 anos. Durante esse tempo podem ocorrer algumas correções, embora acredite que a população mundial continuará a crescer e os países desenvolvidos, a enriquecer.'

O gerente de mesa financeira da Hencorp Commcor, Rodrigo Nassar, também defende a tese de um novo patamar de preços internacionais. 'Isso significa que teremos momentos de volatilidade, com altas e baixas das commodities. Mas as quedas não serão tão acentuadas para compensar a alta ocorrida até agora.'

Schwartsman, do ABN, também não acredita que a alta das commodities seja uma bolha, mas o reflexo de fundamentos da demanda por esses produtos. 'Há, sem dúvida, especulação com commodity e é possível que certos movimentos de preços sejam afetados pelo fluxo de recursos que, em busca de proteção contra a inflação, se direcionou a esse mercado.'

Ele destaca, porém, que algumas commodities podem ajudar a entender o quanto da alta é especulação e o quanto é demanda. O economista usa como exemplo o caso da Vale, que emplacou um reajuste de 65% do minério de ferro, quando a expectativa era 50%.

O minério de ferro não é transacionado em bolsas, mas negociado diretamente com produtores de aço. 'Acredito que as empresas que aceitaram pagar 65% mais pela sua principal matéria-prima devem ter uma noção muito clara de como está a demanda por aço.'

FRASES

Tereza Fernandez Economista da MB Associados

¿De repente, todas as commodities viraram ativos financeiros cobiçados pelos investidores¿

Fábio Silveira Economista da RC Consultores ¿Esse comportamento esquizofrênico teve início com a posição mais firme do Fed de cortar os juros para evitar uma recessão mais forte no País¿