Título: Mais uma reforma tributária
Autor: Panzarini, Clóvis
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/03/2008, Economia, p. B2

Festeja-se mais uma tentativa de reforma tributária, a terceira do governo Lula. As duas primeiras - a de 2003 e a de 2007 - felizmente não vingaram, pois eram tecnicamente muito ruins. A atual proposta - ainda que não tenha a abrangência desejada, poderia excluir, também, o IPI e o ISS - promete importantes melhorias no sistema tributário com ganhos para o Fisco e contribuintes, mas a quantidade de conflitos a serem superados pode inviabilizá-la.

Busca-se a simplificação do sistema tributário, a eliminação de distorções que comprometem a competitividade da economia e o fim da 'guerra fiscal'. Além de alterações estruturais em alguns tributos, estão sendo promovidas importantes mudanças em dispositivos que definem base de cálculo e critérios de rateio de fundos constitucionais, como o Fundo de Participação dos Estados (FPE), o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e a cota-parte municipal do ICMS.

Na competência federal, prevê-se a substituição da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), a Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) por um Imposto sobre Valor Agregado Federal (IVA-F) e a extinção da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, que será fundida com o Imposto de Renda Pessoa Jurídica. A alíquota do IVA-F deverá repor, também, a arrecadação da contribuição do salário-educação (2,5% sobre a folha salarial das empresas), que será extinta. Como as contribuições a serem substituídas pelo IVA-F geraram R$ 144,2 bilhões em 2007, ele deverá ter porte quase igual ao do ICMS, cuja arrecadação, no ano passado, somou R$ 187,6 bilhões. O IVA-F incidirá 'sobre operações com bens e prestações de serviços', supostamente as mesmas bases atuais do ICMS e do ISS. Promoverá simplificação ao substituir tributos como o PIS e a Cofins, cujas regras confundem até os técnicos da Receita Federal, e sua alíquota deverá ser superior a 10% e 'integrará sua própria base de cálculo', ou seja, será calculado 'por dentro', como é hoje - e continuará sendo - o ICMS. Transparência zero... Ponto negativo para a proposta. Caso a alíquota seja única, implicará significativo aumento de carga tributária nas empresas prestadoras de serviços, hoje, em sua imensa maioria, sujeitas à alíquota cumulativa de 3,65% de PIS/Cofins.

Também estão sendo propostas importantes mudanças no ICMS, entre elas a adoção do princípio de destino nas operações interestaduais - transfere a quase totalidade da receita do imposto para o Estado onde a mercadoria é consumida -, o que acaba com a guerra fiscal. Remanescerá para o Tesouro do Estado vendedor apenas 2% do valor da operação interestadual. O Senado definirá as alíquotas ('cestas vazias') do novo ICMS, que deverão ser homogêneas por mercadoria ou serviço e o enquadramento (o preenchimento das 'cestas') dos bens ou serviços em cada uma das alíquotas será feito pelo conselho de secretários da Fazenda dos Estados, o novo 'Confaz', que manterá a atual competência para definir qualquer benefício fiscal vinculado ao imposto. A desoneração dos bens de capital será feita via devolução à vista ao investidor - atualmente isso é feito em 48 meses - do ICMS incidente sobre eles, o que representará importante melhoria na competitividade da economia brasileira.

O Regulamento do ICMS, que define a forma como as obrigações tributárias devem ser cumpridas, será nacional, editado pelo novo 'Confaz'. Essa unificação da legislação do ICMS, principal elemento mercadológico da proposta - que encanta economistas, políticos e leigos em geral em administração tributária -, poderá resultar em enorme complexidade, pois, o Regulamento nacional, feito 'a 54 mãos', pelas 27 representações estaduais, tem tudo para se tornar verdadeira 'árvore de Natal', onde cada qual irá dependurar suas 'pérolas', exigências descabidas ou anacrônicas, anulando avanços e simplificações já conquistados. Homogeneizar-se-á nacionamente as complexidades locais. Para as corporações multiestaduais - e só para elas - essa troca talvez seja benéfica. Quem conhece os ritos decisórios do Confaz deve estar preocupado...

Serão criados dois fundos compensatórios, ambos alimentados com recursos da União. O primeiro, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), será provisionado com 4,8% da atual arrecadação da União com o IPI e o Imposto de Renda, algo como R$ 9 bilhões por ano, destinado à aplicação nas áreas menos desenvolvidas, para compensar os efeitos do fim da guerra fiscal. O outro, mais modesto, o Fundo de Equalização de Receitas (FER), será abastecido com 1,8% da mesma base do FNDR - cerca de R$ 3,5 bilhões por ano - e se destina à compensação dos Estados perdedores de receita com o novo ICMS. O FER não implicará transferência adicional da União para os Estados, pois sua magnitude será semelhante aos repasses hoje atualmente feitos aos Estados, que serão extintos no novo modelo (fundo de exportação e 'repasses da Lei Kandir'). Os Estados exportadores líquidos - perdedores de receita com a reforma - entendem que a compensação será feita com moeda que já lhes pertence e começam a impor resistência à proposta. Também os Estados 'guerreiros', apesar da criação do FNDR, relutam em abrir mão do enorme poder político que representa sua capacidade de atrair indústrias para seu território com benesses tributárias ilegais.

Por fim, é de se registrar que o fim da guerra fiscal, que representa rebate tributário de R$ 15 bilhões por ano, implicará óbvio aumento da carga tributária de idêntica magnitude. Há muitos obstáculos a serem superados e travas de carga tributária a serem imaginadas para que o modelo, cuja vigência ocorrerá no oitavo ano subseqüente (antes tarde do que nunca...) ao da promulgação da emenda, seja melhorado e viabilizado politicamente.

*Clóvis Panzarini, economista, ex- coordenador tributário da Secretaria da Fazenda paulista, é sócio-diretor da CP Consultores Associados Ltda. Site: www.cpconsultores.com.br