Título: HC não pode estar nas páginas policiais
Autor: Sant¿Anna, Emilio; Leite, Fabiane
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/03/2008, Vida&, p. A26

Médico suspeita de que incêndio e outros problemas no maior hospital da América Latina sejam boicote à gestão

O presidente do conselho deliberativo do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Marcos Boulos, rompeu o silêncio mantido pela cúpula da instituição após o incêndio que atingiu o Prédio dos Ambulatórios da unidade na noite de Natal. Para o renomado infectologista, passada a fase ruim, que comprometeu os mais de 4 mil atendimentos diários do maior hospital da América Latina, é hora de fortalecer a instituição. Nesta entrevista exclusiva, Boulos critica a cobertura da imprensa sobre o incêndio, o ex-diretor Waldemir Rezende, que apontou irregularidades na unidade, e diz suspeitar que grupos com interesse financeiro tentam boicotar a gestão do hospital. Agora, o médico quer homenagear os funcionários que ajudam o HC a se reerguer. Leia trechos da conversa ocorrida na terça-feira passada, na faculdade.

O ex-diretor do Instituto Central do HC Waldemir Rezende disse em seu livro que encontrou grande descontrole em estoques, pessoas que aceitavam presentes das indústrias farmacêuticas, e apontou o que fez e o que teria encaminhado. Isso não chegava a vocês?

A maior parte das coisas ou não sabíamos ou deveríamos ter recebido, se precisavam de ação institucional. Em toda instituição, quando muda (a diretoria), você tem uma visão de gestão diferenciada da outra, então vai tentar corrigir rumos. Acontece sempre, nós fazemos e não vamos falar para o mundo que estamos fazendo, porque é nossa obrigação. O Waldemir se indispôs com o superintendente (José Manoel Teixeira). Ele era considerado uma pessoa ágil, mas não era infreqüente querer passar por cima de regras institucionais, e aí barrava no superintendente. Se você perguntar aos professores titulares, eles vão falar que nunca houve um diretor tão rápido e ágil. Se perguntar para a maior parte dos funcionários, irão falar que foi o diretor que ofereceu as maiores dificuldades. Para fazer o que os professores queriam, (ele) passava por cima.

Não é a primeira manifestação contrária. Houve professores que queriam outro projeto para o hoje Instituto do Câncer de São Paulo Octavio Frias de Oliveira.

Não houve divergência dentro da instituição. A casa estava fechada em um projeto feito por governos anteriores e, quando chegou um momento, o governador (José) Serra mudou de idéia.

O professor Miguel Srougi foi um dos que falou da discordância.

Vazou a carta que ele fez. Não foi agradável o que ele falou, foi chamado, admoestado, inclusive ele saiu do processo.

Mas, como é uma instituição pública, não é legítimo que pessoas se manifestem?

Quando represento uma instituição, eu não posso falar o que quiser, porque sou antes de tudo funcionário da instituição.

Mas o silêncio da superintendência não foi ruim para a instituição?

O silêncio veio depois de vocês falarem o que não deveriam.

O governador disse à Rádio Jovem Pan que achava importante a discussão dos problemas na imprensa porque ajuda a apontar os problemas e melhorar.

Claro, se houver uma discussão coerente. Acho conveniente conversar com toda a imprensa, explicar o interesse que está por trás de tudo.

Que interesse?

Há grupos, lobbies que tentam fazer coisas dentro do hospital. Quando você acaba identificando irregularidades, então a pessoa perde recursos e tenta boicotar a gestão. Acho que o interesse é dinheiro. Tem pessoas que ganham dinheiro aqui dentro de maneira ilegal. Se puderem, boicotam.

Os bombeiros pediam adequação de toda a estrutura e isso não foi feito. Há ainda a questão de uma licitação para trocar uma cabine elétrica, que também foi adiada.

O que eu sei, até estivemos com os dois tenentes (do Corpo de Bombeiros), é que não houve irregularidade nenhuma. Tudo aquilo, o fogo, não tinha nada a ver com esses processos. O que o bombeiro falou é que era necessária uma cabine que fechasse o shaft (local por onde passa fiação elétrica). Se tivesse a cabine, não aconteceria a fumaça. O que aconteceu foi um destaque exacerbado. Houve uma explosão de informações, todas negativas, como se tudo fosse culpa humana, e não se destacou a perda institucional e o carinho que as pessoas sempre tiveram pelo hospital, e que a imprensa sempre teve. As pessoas não ganham bem, atendem da melhor maneira, por que viraram quase página policial? Um hospital que só tem objetivo de atender bem as pessoas. O que fizemos de errado para estarmos em páginas policiais, por um acidente?

Por que demorou tanto para consertar a refrigeração após o fogo, a ponto de ter de fechar os laboratórios, um deles por contaminação?

Temos falhas setorizadas. A sugestão era: só funciona o que dá, o que não dá, terceirizamos. E não aconteceu isso. Aparentemente, houve algum deslize.

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