Título: O Brasil e a pesquisa sobre células-tronco
Autor: Temporão, José Gomes
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/03/2008, Vida&, p. A27

Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará a constitucionalidade da lei que autoriza a utilização de células-tronco embrionárias em pesquisa e terapia na saúde humana. Os embriões obtidos por meio de fecundação in vitro prometem gerar uma nova etapa da medicina mundial, o tratamento regenerativo.

As diversas possibilidades de utilização das células-tronco embrionárias têm gerado discussões no mundo inteiro. De um lado, pesquisadores, famílias e pessoas portadoras de algum tipo de doença que poderiam ser beneficiadas pela utilização dessas células fazem pressão para que as pesquisas sejam liberadas. Em contrapartida, uma parcela da sociedade questiona os conceitos éticos de sua utilização, pois julga que esse procedimento resultará na morte do embrião.

Apesar das divergências, países iniciaram a busca de soluções para diversas enfermidades como o mal de Parkinson, diabete e distrofias, entre outras, com essa nova ferramenta. No entanto, a dificuldade é a falta de legislação em grande parte dos países.

A Espanha, seguindo os passos de países como Reino Unido e a Suécia, publicou, no final de 2004, decreto que autoriza pesquisas com células-tronco embrionárias.

Outros países também permitem tais pesquisas, como Finlândia, Grécia, Suíça, Holanda, Japão, Austrália, Canadá, Coréia do Sul e Israel. Nos Estados Unidos, os estudos foram permitidos durante o governo Clinton, mas o atual presidente, George W. Bush, pressionado por grupos religiosos, cortou o financiamento para esse tipo de pesquisa, deixando para as instituições privadas o encargo com os investimentos.

Apesar da forte oposição do presidente George W. Bush, o Estado da Califórnia deve se tornar o primeiro a financiar as pesquisas que utilizam essas células. A proposta do governo é investir cerca de US$ 3 bilhões em pesquisas com células-tronco nos próximos dez anos. As primeiras projeções apontam que a proposta será aprovada.

Numa comparação das leis em diversos países, o Reino Unido é o mais avançado. Permite a criação de embriões especificamente para pesquisas. Além disso, a utilização de embriões descartados pelas clínicas de reprodução pode ser liberada por licença expedida pela Autoridade em Embriologia e Fertilização Humana.

A Suécia tem legislação semelhante à britânica e a União Européia também tem tentado regulamentar a questão, mas ainda não chegou a um consenso, visto que há Estados mais liberais e outros mais conservadores.

No Brasil, a Lei de Biossegurança, de 2005, estabeleceu que poderiam ser utilizados, para pesquisa e terapia, embriões humanos obtidos a partir da fertilização in vitro. Os embriões devem ser considerados inviáveis para a reprodução humana e devem estar congelados há três ou mais anos.

A decisão do Congresso Nacional e dos demais países foi vista como uma vitória para os cientistas e para os portadores de necessidades. O assunto, no entanto, chegou ao Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade questiona a lei, sob alegação de que a utilização de embrião para pesquisa e terapia significa a destruição de uma vida humana.

Os cientistas explicam que as células são retiradas de embriões em estágio anterior a 14 dias e, portanto, o sistema neural ainda não começou a ser formado. Além disso, pesquisas têm sido realizadas com o intuito de que a retirada de células de embriões deva ocorrer nos três primeiros dias. Com isso, o embrião continuaria seu desenvolvimento normal como ocorre nos casos onde são feitas biópsias.

A legislação ainda apresenta falhas e a comunidade, em geral, possui dúvidas referentes ao tema. Há divergências até mesmo entre pesquisadores. São necessárias discussões mais amplas e esclarecimentos. As células-tronco trazem perspectivas de tratamento e cura, mais ainda temos um longo caminho em estudos, nas mais diversas áreas, antes dos estudos clínicos finais.

O Ministério da Saúde, com base na lei vigente, tem promovido inúmeras ações relacionadas a pesquisas com células-tronco, em parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia. Desde 2004, em editais lançados e aprovados pelo CNPq e Finep, o governo federal investiu R$ 24 milhões. Entre as ações, está o fomento a pesquisas clínicas e pré-clínicas em terapia celular. Essas pesquisas envolverão a utilização de células-tronco embrionárias, derivadas da medula óssea e/ou cordão umbilical para o tratamento de diversas patologias, como lesão raquimedular, diabete, doenças genéticas e outras.

Aguardamos com atenção o julgamento do Supremo Tribunal Federal nesta semana. Afinal, a corte decidirá o futuro das pesquisas em saúde envolvendo as células-tronco e a posição que o País deverá assumir dentro do debate mundial.

* José Gomes Temporão é ministro da Saúde e Sergio Rezende, da Ciência e Tecnologia

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