Título: A situação na fronteira
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/03/2008, Notas e Informações, p. A3

No início desta década, quando indagadas sobre as providências que estavam sendo tomadas para proteger a fronteira com a Colômbia do tráfico de drogas e da eventual infiltração de guerrilheiros das Farc, as autoridades brasileiras invariavelmente respondiam que essas ameaças não existiam. As distâncias e o ambiente inóspito da floresta amazônica, diziam, se encarregavam de neutralizar qualquer risco. Afinal, algumas das principais bases das Farc e centros de produção de coca estavam situados nas cabeceiras do Rio Putumayo, a pelo menos 200 quilômetros de distância, em linha reta, do ponto mais próximo da fronteira brasileira, e isso bastava para desencorajar o comércio e as infiltrações ilegais. Mas acontece que o Rio Putumayo não começa e termina na Colômbia. Ele cruza a fronteira e, no Brasil, passa a se chamar Rio Içá - uma excelente via de transporte que desemboca no Solimões, poupando a quem queira atingir o território brasileiro as agruras de uma viagem através da selva fechada.

Muita pasta de coca e cocaína refinada têm entrado no Brasil por essa via. O traficante Fernandinho Beira-Mar, por exemplo, usava o rio para escoar parte das drogas que comprava das Farc. A zona fronteiriça também tem servido de centro de abastecimento de alimentos, remédios, armas e munições para os homens das Farc. Era com esse tipo de suprimentos, aliás, que Fernandinho Beira-Mar pagava parte dos carregamentos que recebia do comandante da Frente 16, o Negro Acácio, morto no ano passado.

Até o incidente do Rio Traíra, os narcoguerrilheiros freqüentavam a região uniformizados e armados. Depois, passaram a guardar prudente distância da fronteira e a utilizar prepostos com roupas civis nas operações de reabastecimento. Nos últimos meses, narcoguerrilheiros uniformizados voltaram a ser vistos nas proximidades da fronteira.

Essa situação deve começar a mudar a partir das próximas semanas, quando a Polícia Federal abrirá uma base de operações na confluência do Içá com o Solimões. A base será dotada de câmeras de longo alcance com capacidade de visão noturna, radar de superfície e equipamentos de vigilância eletrônica. Com esses meios - especialmente se associados aos recursos do Sivam/Sipam - espera-se controlar uma via fluvial que tem sido usada para transportar grande volume de entorpecentes para o Brasil. Nos últimos anos, em operações esparsas, a Polícia Federal tem apreendido cerca de 1,5 tonelada de cocaína por ano, na região da foz do Içá. E isso não passa de uma pequena fração da droga contrabandeada.

O reforço do lado brasileiro da fronteira será feito em hora oportuna. É que, recentemente, foram localizados no lado colombiano dois acampamentos das Farc. A ofensiva militar desencadeada pelo Exército da Colômbia desbaratou várias das ¿frentes¿ em que se dividem as Farc e seus membros se dispersaram em pequenas frações - os acampamentos localizados não têm mais de 80 homens -, que se internaram em áreas da floresta de difícil acesso, como é o caso daquele trecho da fronteira com o Brasil.

E não é apenas a Polícia Federal que amplia a vigilância na região. Também o Exército brasileiro está atento aos problemas de segurança criados pelas Farc e tem instalado, ao longo da fronteira, postos militares guarnecidos por soldados especializados na guerra na selva. A Força Aérea, por sua vez, está se preparando tanto para dar apoio logístico às tropas do Exército e aos policiais federais como para atender a eventuais crises de natureza militar.

Mas esse esforço não basta. O Exército tem na Amazônia inteira não mais de 25 mil homens para cobrir um arco de fronteira com mais de 7 mil quilômetros de terreno inóspito. Também são insuficientes os contingentes da Polícia Federal. O posto do Rio Içá, por exemplo, será guarnecido por apenas 12 policiais federais, que serão substituídos a cada dois meses. As forças das polícias estaduais também são precárias. O policiamento de Letícia, na Colômbia, é feito, por exemplo, por 420 homens da Guarda Nacional, enquanto a cidade gêmea de Tabatinga conta com 40 homens da PM e 8 policiais civis.

As Forças Armadas e a Polícia Federal precisam receber maiores recursos para que possam aumentar sua presença na região. Pela fronteira amazônica passam pelo menos 80 toneladas de cocaína por ano e metade dessa droga é consumida no Brasil.

Links Patrocinados