Título: Jucá confrontou oposição para se manter como líder
Autor: Moraes, Marcelo de
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/03/2008, Nacional, p. A10

Após derrota na votação da CPMF, senador manobrou para garantir a aprovação de MP sobre TV pública e ganhou aplausos de Lula e do PT

Marcelo de Moraes

O relógio do plenário do Senado indicava que a sessão de terça-feira já tinha ultrapassado a meia-noite, quando o líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), se aproximou do líder do DEM, José Agripino Maia (RN). Preocupado, Jucá cobrou explicações sobre a resistência acirrada da oposição nas discussões sobre as medidas provisórias que estavam em pauta, incluindo a que criava oficialmente a TV pública, de interesse prioritário do Palácio do Planalto. ¿O que vocês estão querendo com isso? Que o governo coloque um líder do governo que seja do PT?¿, perguntou.

Jucá tinha a certeza de que o resultado dessa votação seria decisivo para se manter no cargo de líder do governo. Depois de ser derrotado pela oposição no Senado, em dezembro, na votação da prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), Jucá ouviu cobranças pesadas do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que exigiu a aprovação da MP da TV pública.

Mais: sabia também que o PT abertamente reivindicava seu cargo para alguém do partido - no caso, para o senador Tião Viana (AC). Uma nova derrota importante para uma oposição minoritária certamente selaria sua substituição. Por conta disso, ao perceber que a oposição não lhe facilitaria o trabalho, Jucá usou e abusou de expedientes não convencionais e polêmicos, porém regimentais, para aprovar a MP da TV pública.

Primeiro, usou a maioria do governo para aprovar um requerimento que encerrava sumariamente os debates sobre uma das MPs. Enquanto a oposição ainda esperneava e o criticava duramente por ter a palavra cortada, Jucá montou o segundo ataque. Assumiu a relatoria da MP seguinte, que garantia direitos previdenciários aos trabalhadores rurais, e simplesmente recomendou o voto contrário. Na prática, o governo pedia o voto contra o governo. Assim, a proposta seria derrubada, limpando a pauta e acelerando a votação da MP da TV pública, item seguinte na lista de propostas a serem analisadas pelo Senado.

Surpreendidos pela manobra, os senadores de oposição reagiram fortemente e decidiram abandonar a sessão em protesto. ¿Safado¿, gritou o tucano Tasso Jereissati (CE), dedo em riste acusando todos os governistas de ¿vendidos¿. O colega Mão Santa (PMDB-PI), olhando para Jucá, desferiu: ¿A Polícia Federal está atrás de você.¿ Para o líder, foi apenas o sinal de que a batalha estava ganha.

¿Tenho sangue frio o suficiente para não entrar em provocação. A oposição deveria fazer o que recomenda a Fifa no futebol. Precisa ter fair play e se comportar bem quando ganha e também quando perde¿, disse Jucá ao Estado. ¿Quando derrotaram a CPMF, nós perdemos R$ 120 bilhões, mas não perdemos a elegância. Fiquei quieto e fui trabalhar para salvar a votação da DRU (Desvinculação de Receitas da União). A oposição agora subiu no salto alto, quis levar o governo para as cordas e não soube ter elegância para aceitar a derrota que sofreu.¿

TRÂNSITO

De perfil sempre conciliador, o estilo rolo compressor demonstrado por Jucá na terça-feira é novidade. Ele foi colocado por Lula na função de líder justamente por seu imenso trânsito dentro do Congresso, incluindo os partidos de oposição.

Dentro do Senado, Jucá é considerado como o tipo do político que sempre fica próximo dos governos. Em 1979, foi chefe de gabinete da Secretaria de Habitação do então governador de Pernambuco e futuro vice-presidente Marco Maciel, hoje senador do DEM. No governo José Sarney, Jucá foi presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) e governador nomeado para Roraima. No de Fernando Collor, foi diretor na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e secretário nacional de Habitação. Na gestão de Fernando Henrique Cardoso, estava filiado ao PSDB e como senador se tornou o líder do governo, tendo embates seguidos com a oposição liderada pelo PT.

Com a chegada de Lula ao poder, Jucá não demorou para se realinhar, indo para o PMDB. Como o partido entrou na base de apoio do presidente petista, Jucá rapidamente passou a ser um dos interlocutores políticos dos novos aliados com o governo federal, graças à sua ótima relação com líderes peemedebistas como os senadores José Sarney (AP)e Renan Calheiros (AL). Foi nomeado ministro da Previdência em 2005, mas acusações de envolvimento em supostas irregularidades, tornaram insustentável sua permanência no cargo.

Apesar disso, sua experiência e trânsito político foram vistos como vantajosos por Lula quando precisou reorganizar sua base no Senado. E Jucá virou líder do governo petista, a quem cansou de enfrentar como representante tucano. na gestão anterior.

Para Lula, que sempre trabalhou para ampliar sua base de apoio dentro do Congresso, ter um ex-adversário como líder do governo é algo natural. Casos como esse são recorrentes em sua equipe.

Seu ministro de Relações Institucionais, José Múcio Monteiro (PTB-PE), foi até presidente do antigo PFL e filiado ao PSDB. Sua líder no Congresso, senadora Roseana Sarney (PMDB-MA), foi adversária direta do PT no Maranhão durante muitos anos.

CAFEZINHO

O que Lula não achava natural, e cobrou de Jucá antes da votação da TV pública, é que esse ótimo trânsito com a oposição se tornasse passividade e produzisse derrotas estrondosas para o governo, como no caso do imposto do cheque. Reunido com seus aliados políticos, Lula reclamou que a base não defendia o governo dos ataques e havia aliados ¿tomando tanto cafezinho com líder da oposição¿ que já deviam ¿estar ficando com azia¿.

A queixa foi interpretada como uma crítica direta a Jucá, assíduo nas negociações com PSDB e DEM. E balizou seu comportamento na condução da votação. No dia seguinte, com a MP da TV pública aprovada, recebeu o telefonema do presidente lhe dando parabéns e até brindou com a líder do PT no Senado, Ideli Salvatti, a vitória da madrugada. Com café.

A paz aparente com a bancada petista foi preservada pela vitória. Mas o desejo do partido em ocupar a liderança do governo no Senado é reconhecido publicamente até pelo próprio Jucá. O senador garante também que, se Lula resolvesse substituí-lo por conta da derrota, não haveria traumas.

¿Todo começo de ano, eu coloco meu cargo à disposição do presidente. Este ano, fiz a mesma coisa. Eu disse ao presidente que sabia que o PT estava reivindicando o espaço da liderança e que a decisão cabia a ele¿, afirma. ¿E a minha relação com o presidente Lula é de confiança. Nós não temos um contrato. A hora em que ele achar que precisa me substituir, está tudo certo. Eu não sou problema.¿

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