Título: A ousadia de quem não tinha nada a perder
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/03/2008, Internacional, p. A15

Presidente dominicano conseguiu obter abraço histórico entre Uribe, Correa e Chávez

Na história diplomática dos latino-americanos, a reunião do Grupo do Rio, no dia 7 de março de 2008, uma sexta-feira, em Santo Domingo, merecerá um capítulo à parte. Por dois motivos: pela eficiência com que alguns países, entre eles Brasil, Chile e Argentina, conseguiram controlar o incêndio diplomático sul-americano, mas, ao mesmo tempo, pelo surrealismo que pautou certos momentos do bastidor dos encontros.

A ação das Forças Armadas colombianas, que invadiram o território equatoriano no dia 1º de março, matando o número dois das Forças Armadas Revolucionária da Colômbia (Farc), Raúl Reyes, e outras duas dezenas de guerrilheiros, foi seguida de um rompimento de relações diplomáticas decretado pelo presidente Rafael Correa e uma ameaça de guerra feita por Hugo Chávez, da Venezuela. A coadjuvante Nicarágua, de Daniel Ortega, sem projeção internacional nenhuma, juntou-se a Correa, no corte de relações com a Colômbia, e a Chávez, no barulho verbal.

A Organização dos Estados Americanos (OEA) havia, no dia 5, condenado a invasão e imposto à Colômbia que apresentasse um pedido de desculpas incondicional ao Equador. A OEA também mandou constituir uma comissão especial de vistoria que foi ao local do conflito e vai apresentar nesta segunda-feira, em Washington, um relato das versões e dos fatos checados. Faltava, porém, fazer acontecer algo que preenchesse o espaço entre o dia 5 e o encontro de amanhã, algo que diplomaticamente suplantasse as decisões jurídicas da OEA e arrefecesse o espírito belicoso dos discursos presidenciais. O palco do ¿algo mais¿ foi a reunião do Grupo do Rio em Santo Domingo e teve como personagem central o presidente dominicano, Leonel Fernández. À espera da reeleição, ele acabou chamando a atenção do público interno, o eleitor dominicano, e do público externo, a diplomacia sul-americana.

Com uma agenda prevista inicialmente para tratar de meio ambiente e clima - o que, no contexto, era considerado um ¿assunto batido e desimportante¿ -, a reunião estava desfalcada da presença de chefes de Estado. Ocuparia apenas uma manhã de trabalhos, devendo ser encerrada depois do almoço daquela sexta-feira. Quando conseguiu atrair e garantir a presença do trio-chave do conflito, Correa, Uribe (Colômbia) e Chávez (Venezuela), Fernández arriscou tornar-se o promotor de um ato impensável.

Com Chávez amaciado pelo chanceler Celso Amorim (Brasil) e pela presidente Cristina Kirchner (Argentina), foi o presidente dominicano quem, ao final dos discursos duros, mas respeitosos, de Correa e Uribe, arriscou um convite para um abraço entre os dois e Chávez.

A ousadia surpreendeu porque o ambiente diplomático havia melhorado, mas não era visto como propício para um apelo dessa natureza. Correa, por um momento, havia se recusado a ouvir o discurso de Uribe. ¿A proposta só podia vir de quem tinha tudo a ganhar¿, resumiu ao Estado um diplomata brasileiro presente à cúpula de Santo Domingo. Quando os três caminhavam para o abraço, e Ortega tentou reabrir as discussões, o plenário do Grupo do Rio assistiu a uma cena ímpar: o presidente da Nicarágua sendo ¿fuzilado¿ pelos olhares irados e suplicantes dos chanceleres e presidentes, rogando para que ficasse quieto.

Links Patrocinados