Título: Itamaraty rejeita flexibilizar fronteiras
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/03/2008, Internacional, p. A15

Para diplomatas, proposta dos EUA jamais terá consenso na OEA

Denise Chrispim Marin

O Brasil vai se opor à proposta dos Estados Unidos de flexibilizar as fronteiras da América do Sul, como meio de facilitar o combate às ações extremistas do grupo guerrilheiro Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

Apresentada ao governo brasileiro na última quinta-feira pela secretária americana de Estado, Condoleezza Rice, a proposta poderá ser debatida amanhã na reunião de chanceleres da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington. Em plena campanha pela iniciativa, Condoleezza sondou sexta-feira o governo da presidente chilena, a socialista Michele Bachelet.

Fontes da diplomacia brasileira consideram que a proposta dos Estados Unidos jamais terá o consenso necessário na OEA para tornar-se uma nova regra e, portanto, não deve prosperar. A expectativa, no Itamaraty, é que a idéia nem mesmo seja apresentada ao plenário da organização por causa da resistência já manifestada pelo Brasil e pela oposição inflamada da Venezuela de Hugo Chávez e de seus aliados.

¿Não será com a porosidade das fronteiras que vamos conseguir combater o terrorismo¿, afirmou um diplomata próximo ao ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. ¿As Américas não podem ser condescendentes com as Farc, mas também não podem ser condescendentes com os seus princípios¿, completou.

PRECEDENTE

A proposta americana, na avaliação do Itamaraty, significaria a anulação do Artigo 21 da Carta da OEA, que é considerado um dos princípios básicos da relação entre os países das Américas. Também abriria um sério precedente para as disputas de fronteiras ainda latentes na região - como as que envolvem o Chile, a Bolívia e o Peru, além das reclamações territoriais da Venezuela à Colômbia e à Guiana.

A proposta americana, na visão desses diplomatas, ¿tenderia a fomentar o caos¿, em vez de garantir maior confiança entre os países e apaziguar a região.

O Artigo 21 estabelece que ¿o território de um Estado é inviolável¿ e condena ocupações militares e medidas de força tomadas por outros países, mesmo temporárias. Trata-se exatamente do princípio rompido pela Colômbia ao bombardear um acampamento das Farc em território do Equador, na madrugada do último dia 1º, em uma ação que causou o mais grave incidente na América do Sul desde a guerra Peru-Equador, nos anos 90.

A lógica do avanço sobre fronteiras alheias em nome do combate ao terrorismo também norteou a invasão do Iraque por tropas dos Estados Unidos em 2003, sem o consentimento das Nações Unidas.

Condoleezza apresentou a proposta de relativização do valor das fronteiras sul-americanas durante seu encontro de quinta-feira com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto. Mas a secretária de Estado teve o cuidado de não tocar no assunto em sua conversa, pouco antes, com Amorim no Itamaraty. Nessa ocasião, ela preferiu dedicar mais tempo ao desafio de apaziguar o Oriente Médio e à reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas que aos temas incendiários da reunião de amanhã da OEA - a solução definitiva do conflito Colômbia-Equador e a ação das Farc além das fronteiras colombianas.

PARCERIA

A proposta tornou-se pública durante sua entrevista coletiva conjunta com Amorim, ao final de sua visita oficial a Brasília. ¿Talvez seja chegado o momento de a região examinar como pode garantir a segurança em todas as fronteiras, cobrindo todos os países. Os Estados Unidos vão ser parceiros dessa iniciativa¿, assinalou a secretária de Estado. O chanceler Amorim não revidou.

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