Título: Chavismo dá sinais de divisão interna
Autor: Peregil, Francisco
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/03/2008, Internacional, p. A16
Chávez age para conter rixas em suas filas e declara 'guerra à indisciplina'
Francisco Peregil
O presidente venezuelano, Hugo Chávez, tem ainda pela frente cinco anos de poder. Mais tempo do que terá o primeiro-ministro da Espanha, José Luís Zapatero, reeleito no domingo. Mas o mandatário venezuelano já é o que nos Estados Unidos se chama de 'pato manco', um presidente com data de validade. Pela Constituição ele está impedido de candidatar-se a um terceiro mandato.
Talvez por isso, ou porque ainda paire a lembrança da derrota sofrida no referendo de 2 de dezembro, sobre uma reforma constitucional que - entre outras mudanças - permitiria que ele se candidatasse indefinidamente, Chávez, hoje, enfrenta grandes divisões em suas próprias fileiras.
O deslocamento dos tanques para a fronteira com a Colômbia, há duas semanas, serviu apenas para abafar por alguns dias os efeitos dessa divisão. Alguns dirigentes chavistas atrevem-se a alfinetar o presidente.
'Com todo carinho e respeito, meu comandante, eu lhe peço que também me respeite e leve em conta que eu lutava pela revolução antes de o senhor iniciar o processo revolucionário.' Essa foi a declaração do deputado chavista Luis Tascón, de 39 anos.
Tascón é tão respeitado entre os seguidores de Chávez quanto impopular no âmbito da oposição. Ficou famoso quando, em fevereiro de 2004, tornou públicos os nomes de cerca de 4 milhões de pessoas que tinham assinado uma petição da oposição convocando um referendo para revogar o mandato de Chávez e tirá-lo do poder. O referendo acabaria derrotado em dezembro daquele ano.
Tascón transformou-se num campeão da luta contra a corrupção. Como muitos seguidores de Hugo Chávez, ele não acusa o presidente, mas as pessoas que estão à sua volta. E, especificamente, Diosdado Cabello, militar da reserva, de 44 anos. 'Foi ele quem colocou ali o vice-presidente anterior e o atual', afirma Tascón.
'Diosdado Cabello é a segunda figura do país, depois de Chávez', afirma o sociólogo Ignacio Ávalos. É governador do Estado de Miranda, um dos mais importantes do país, e fala-se que ele acumulou uma enorme fortuna. Em alguns setores radicais, ele é conhecido como o chefe da 'direita endógena'.' Um dos pilares do governo e o do desenvolvimento endógeno - ou seja, com produtos próprios. Assim, a direita endógena seria a direita do chavismo.
'Cabello tem um discurso relativamente moderado', prossegue Ávalos. 'Só menciona as palavras 'socialismo' e 'revolução' o suficiente para ser considerado um chavista. Tascón denunciou um suposto caso de corrupção em que o irmão de Cabello estaria envolvido, mas Chávez partiu em sua defesa e pediu a expulsão de Tascón do partido.'
As eleições internas, há dias,do Partido Socialista Unificado da Venezuela (PSUV), serviram para que jornais e fóruns de debates na internet publicassem nomes dos membros das diferentes correntes do chavismo. Um total de 87.467 militantes foram convocados para elegerem, entre 69 candidatos, as 15 autoridades máximas do partido. Os eleitos ocuparão provisoriamente a direção do PSUV durante um ano. Mas será um ano-chave porque, em oito meses, serão realizadas eleições para prefeitos e governadores. E será a direção do partido quem decidirá os candidatos.
'Entre os chavistas da base nós brincamos dizendo que, num partido como o PSUV, com 5 milhões de inscritos, no final só votam 87.000', assinala o professor da Universidad Central de Caracas, Javier Biardeau.
'São eleições internas em que não há campanha interna. As bases indicaram cerca de mil candidatos para a direção e o presidente depurou a lista, ficando apenas 69, dos quais sairão 15. É um mecanismo pouco democrático. A direita endógena procura consolidar como princípios ideológicos do partido tudo o que Chávez diz, porque isso significa que não há debate. Mas as bases ainda podem surpreender', acrescenta Biardeau.
O próprio Chávez, há duas semanas, durante a chamada para um programa da TV pública, fez um apelo à disciplina.
'Nos últimos meses, estimulada pelo que ocorreu em 2 de dezembro (o referendo constitucional em que Chávez foi derrotado), vem-se promovendo a tese do chavismo sem Chávez (...). A esta altura do processo, é uma corrente absurda, que pretende semear dúvidas, abrir brechas, muros e divisões (...). A indisciplina nos causou muitos danos. Há pessoas que se autoproclamam líderes de uma corrente e começam a fazer campanha e passar mensagens. Vou sair na frente e empreender uma guerra interna contra a indisciplina', proclamou Chávez.
A guerra contra a Colômbia terminou antes de começar. A da disciplina já começou.
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