Título: A estratégia chinesa de Raúl Castro
Autor: Castañeda, Jorge G.
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/03/2008, Internacional, p. A17

A renúncia de Fidel Castro a dois dos seus três postos de liderança, juntamente com a indicação de seu irmão mais novo, Raúl, para sucedê-lo, marcou o fim de uma era... de certo modo. Raúl Castro substituiu Fidel como chefe do Conselho de Ministros e de Estado, mas não como primeiro-secretário do Partido Comunista cubano. E, numa cena que lembrou os anos de glória do stalinismo, Raúl obteve a permissão unânime do ¿Parlamento¿ de Cuba para consultar Fidel Castro sobre assuntos de maior importância.

Enquanto Fidel estiver por perto - escrevendo, reunindo-se com personalidades estrangeiras e interferindo em tudo, do etanol até a campanha presidencial americana -, duas coisas continuarão claras.

Em primeiro lugar, Raúl mal conseguirá realizar as modestas reformas, estritamente regulatórias e econômicas, que ele espera, um pouco ingenuamente, que tragam a comida de volta à mesa dos cubanos.

Em segundo lugar, apesar de os acertos para a sucessão, delineados pelos irmãos Castro há alguns anos, terem a vantagem da estabilidade e previsibilidade, Raúl não conseguirá substituir a velha guarda por líderes mais jovens (seu sucessor nas Forças Armadas tem 72 anos e seu vice-presidente, 77). Se o fizer, isso dará a qualquer escolhido uma posição de vantagem quando Raúl, hoje com 76 anos, desaparecer, e ele e Fidel não concordam necessariamente sobre quem deverá vir em seguida.

A estratégia de Raúl é encontrar uma solução no estilo chinês ou vietnamita: reformas econômicas de mercado sob um regime comunista e nenhum avanço no campo dos direitos humanos e da democracia.

Para aqueles nos Estados Unidos que acharam, corretamente, que o embargo comercial de meio século a Cuba foi contraproducente, aqui está uma resposta parcial atraente, que pode justificar uma moderação: um dia, as reformas econômicas levarão a mudanças políticas.

Para os pragmáticos latino-americanos, sempre com receio dos quinta-colunas cubanos, encorajar mudanças em Cuba sem ir muito longe é tentar o impossível. E, para alguns governos europeus, é o típico recurso à não intervenção e ao não envolvimento, que joga o problema diretamente para os Estados Unidos.

BLINDAGEM

Mas as rotas chinesa e vietnamita são inaceitáveis na América Latina, que realizou enormes progressos, transformando os avanços no campo da democracia e do respeito aos direitos humanos numa ordem legal regional que ultrapassa a soberania nacional ou o sacrossanto princípio da não-intervenção. Hoje, depois de décadas de golpes, ditaduras, torturas e desaparecimentos, a América Latina, embora não isenta desses flagelos, erigiu inúmeras formas de blindagem para evitá-los.

Aceitar uma exceção cubana seria um enorme retrocesso. O que deterá o próximo ditador e assassino central do continente se se permitir que os cubanos tenham livre passagem? Invocar o pragmatismo para justificar as constantes violações de direitos humanos em Cuba, apenas porque reformas econômicas poderiam impedir um êxodo em massa para o México e a Flórida, é uma má idéia.

O México parecia especialmente tentado a retomar sua cumplicidade com Cuba, como no passado. Parece que, na próxima visita a Havana, o ministro mexicano de Relações Exteriores não se reunirá com dissidentes locais, rompendo com precedentes já estabelecidos desde 1993.

Existem sólidas razões para que seja estabelecido um cronograma para o retorno de Cuba ao grupo dos países democráticos latino-americanos, sem que eleições sejam impostas como um primeiro passo ou precondição. De fato, eleições justas e livres e o pleno respeito pelos direitos humanos poderão vir no fim do processo - se esse fim for claramente determinado.

O que seria inaceitável são os dois extremos: exigir a transição imediata para um regime democrático como condição prévia para a normalização de relações com os Estados Unidos e o retorno à comunidade latino-americana, ou isentar Cuba da obrigação de adotar os princípios e práticas democráticas, alegando que o país é, de alguma maneira, diferente.

Em 1953, Fidel Castro, no que foi provavelmente o discurso mais conhecido da história política latino-americana, proclamou publicamente que a história o absolveria. Na verdade, a história o julgará - a ele e a seus quase 50 anos no poder - somente quando os resultados aparecerem: quando as realizações iniciais em saúde e educação e no combate às desigualdades forem avaliadas de acordo com os padrões internacionais e com a transparência a que os demais países da região estão sujeitos.

Só então saberemos se, embora inaceitável para muitos, teve pelo menos algum sentido a troca do progresso e de uma autêntica justiça social por um regime autoritário, pelo ostracismo internacional e por um deserto cultural.

*Jorge G. Castañeda, ex-ministro de Relações Exteriores do México (de 2000 a 2003), é professor de Política e Estudos Latino-Americanos da Universidade de Nova York. Copyright: Project Syndicate, 2008 (www.project-syndicate.org)

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