Título: A razão prevalece
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/02/2008, Notas e Informações, p. A3

Colocados frente a frente na reunião do Grupo do Rio, em Santo Domingo, os presidentes Álvaro Uribe e Rafael Correa trocaram insultos e acusações. Ao final de nove horas de intensos debates, Uribe apresentou um pedido formal de desculpas, por ter mandado destruir um acampamento das Farc em território equatoriano, e prometeu que tal fato não se repetirá. E Correa deu por encerrado o incidente.

A esse mesmo desfecho se teria chegado há uma semana, já no dia seguinte à ação que resultou na morte do segundo homem da hierarquia das Farc, se o coronel Hugo Chávez não tivesse açulado os ânimos de seus ¿filhotes¿ bolivarianos. Chávez deu os primeiros passos para o rompimento de relações diplomáticas e anunciou o envio de dez batalhões blindados para a fronteira com a Colômbia. E assim obrigou Rafael Correa, que estava propenso a chegar a bons termos com o governo colombiano, a adotar a atitude radical de romper relações diplomáticas e declarar-se preparado para a absurda eventualidade de uma guerra. Foi imitado por Daniel Ortega, outro ¿filhote¿ bolivariano.

A essa altura, era por demais evidente o papel de agente provocador exercido por Chávez. Como aos outros países do continente não interessava ter um conflito armado nas vizinhanças, trataram de jogar água na fervura. Na reunião de emergência do Conselho Permanente da OEA, o embaixador de Chávez foi praticamente reduzido ao silêncio. E nas visitas que fez a cinco países, inclusive o Brasil, Rafael Correa ouviu palavras de condenação à Colômbia, pela violação do território equatoriano, mas ficou sabendo que não receberia apoio incondicional. Afinal, permitira que o seu país fosse usado como santuário pela narcoguerrilha que tenta derrubar pelas armas um governo democraticamente constituído.

Com a divulgação dos documentos altamente comprometedores encontrados no computador do porta-voz das Farc, Raúl Reyes, Rafael Correa e Hugo Chávez ficaram em posição precária. Uma investigação internacional certamente revelaria em detalhes o tipo de apoio que a narcoguerrilha tem recebido dos governos do Equador e da Venezuela.

Daí o caudilho Chávez ter abrandado seu ímpeto guerreiro. Na reunião de Santo Domingo, o homem que uma semana antes havia açulado os cães de guerra transpirava simpatia e conciliação. ¿Ainda podemos deter um turbilhão do qual poderemos nos arrepender¿, concitou. Depois, tentou dissimular com facécia a sua derrota política, cantando um bolero.

O incidente diplomático foi encerrado com pedidos de desculpas, apertos de mãos, abraços e tapinhas nas costas. Mas as causas da crise continuam intocadas. Elas se resumem ao apoio que os atuais governos da Venezuela e do Equador têm dado às Farc - o caudilho Hugo Chávez, porque o governo de Álvaro Uribe é um obstáculo a seu projeto de transformar os Andes num quisto socialista, e Rafael Correa, porque anda a reboque de Chávez. Se dependesse desses dois personagens - e eles já declararam isso -, as Farc seriam tratadas, politicamente, em pé de igualdade com o legítimo governo colombiano. Perto dessa posição ficam os governos europeus, principalmente o francês, que buscam contatos diretos com a narcoguerrilha por motivos humanitários. O presidente Sarkozy já chegou ao disparate de atribuir ao presidente Uribe a responsabilidade pela integridade de Ingrid Betancourt, seqüestrada pelas Farc e em poder dos criminosos há seis anos.

Ao final da reunião do Grupo do Rio, o chanceler Celso Amorim admitiu, pela primeira vez, que o conflito interno colombiano se transformou num ¿problema regional¿. E afirmou ser necessário ¿encontrar uma solução para o nosso continente¿. O conflito colombiano é uma questão regional há anos - embora o Itamaraty assim não o considerasse. Afeta o Brasil, por exemplo, desde que narcoguerrilheiros mataram soldados brasileiros no Rio Traíra. Diz respeito ao Brasil, também, desde que Fernandinho Beira-Mar estabeleceu com as Farc uma linha direta de abastecimento de cocaína entre a Colômbia e o Rio de Janeiro.

Mas é preciso ver o que o chanceler entende por solução continental para o problema. A nosso ver, só existe uma: o isolamento completo das Farc e o apoio de todos os países da região ao esforço do governo colombiano para a sua eliminação.

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