Título: Pressão pela sobrevivência acelera abandono
Autor: Paraguassú, Lisandra
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/03/2008, Nacional, p. A4

Meninos deixam bancos escolares para buscar salário e ajudar famílias

José Osnaldo da Silva, 15 anos, garante que vai voltar a estudar. Matriculou-se este ano de novo na 6ª série noturna da Escola Municipal Cordeiro Filho. Mas, nas três semanas de aula até agora, faltou a mais da metade. Durante o dia, desde às 7 da manhã, Naldinho, como é chamado, trabalha numa padaria simples de Lagoa dos Gatos, assando biscoitos em um forno de barro. ¿Na hora da escola estou meio cansado¿, explica.

Naldinho tem seis irmãos mais novos. A família já recebe o máximo permitido pelo Bolsa-Família, R$112. O que o garoto ganha na padaria, R$ 60 por semana, ajuda a família. ¿Eu gosto de estudar. Se ganhasse para estudar não trabalhava mais. Mas hoje tenho que ajudar em casa.¿

O pai de Naldinho trabalha em um matadouro, coisa que o menino não quer fazer de jeito nenhum. Quando perguntado sobre o que gostaria de ser quando crescer, responde em um tom tranqüilo, mas entre a esperança e a resignação: ¿Não quero ser nada.¿

Para Edson José de Oliveira o Bolsa-Família chegou tarde. Quando sua mãe começou a recebê-lo, Edson tinha 15 anos e estava na 5ª série. Por conta da bolsa, ficou ainda mais um ano na escola. Hoje, aos 19, largou os estudos e trabalha na reforma da quadra da escola de onde saiu em 2005. ¿Quando o Bolsa-Família chegou eu já estava quase desistindo mesmo¿, lembra. ¿Fiquei um pouco mais por conta do pagamento.¿

Mas, quando uma das suas irmãs mais novas entrou na escola, sua mãe, Socorro, de 45 anos, garantiu que poderia receber os mesmos R$ 112 por mês porque tinha três filhos na escola, mesmo que Edson não estudasse mais. ¿Quando eu dizia que ele estava recebendo, ele não faltava nada. Mas, depois, achou que era melhor ir trabalhar¿, lembra.

Hoje, Socorro garante a permanência na escola de dois outros filhos, um menino de 13 e uma menina de 16, com uma mentira inocente: diz a eles que, se pararem de estudar, vai perder parte do dinheiro. Na verdade, os R$ 112 são o limite que pode receber, pagos por Julia Keli, 8 anos, e Laís Maria, 5, além da pequena Larissa, de dois anos e meio. Mas os dois mais velhos já querem deixar a escola para trabalhar. ¿Minha caneta foi o cabo da enxada. Não quero a mesma coisa para os meus meninos.¿ Edson diz que gostava de estudar. ¿Vale a pena. Se tiver um filho, quero que estude. Mas um homem precisa trabalhar.¿

Na vida de Aldivan Vicente Ferreira da Silva, em Lagoa dos Gatos, a escola parece não trazer nenhuma vantagem. Pelo menos não tanto quanto os R$ 10 por dia que ganha colhendo mangas que são vendidas na feira de Caruaru. Sem nem mesmo completar a 6ª série, Aldivan não quer voltar a estudar. ¿Estudar não dá de comer a ninguém¿, diz o menino, de 15 anos.

O mesmo pensamento têm seu irmão de 13 anos, Maurivan, e a prima de 17 anos, Valquíria - que queria ser professora, mas foi reprovada e não quis voltar para a escola. Nenhum deles está no Bolsa-Família. ¿Quando completaram a idade, parei de receber. E agora não tem jeito de fazer voltar para a escola¿, conta a avó, Beatriz dos Santos, 73 anos, que cria os netos com o salário mínimo da aposentadoria. ¿Minha preocupação é quando eu morrer. O que vai ser desses meninos?¿ Nem o incentivo nem a preocupação da avó convencem os meninos de que precisam estudar.

Em Lagoa dos Gatos não há indústria. Apenas agricultura, plantio de frutas e padarias de fundo de quintal onde são feitos biscoitos vendidos em Caruaru - nenhum emprego que exija diploma. ¿Não tenho o que fazer na escola¿, repete Aldivan. Colher mangas, por enquanto, é o futuro dos netos de Beatriz.

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