Título: Mecanismo de arrecadação também é polêmico
Autor: Escobar, Herton
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/03/2008, Vida, p. A24

Imposto incidiria sobre produtos desenvolvidos a partir do conhecimento tradicional

Apesar dos problemas criados pelas normas de coleta científica, Eduardo Vélez acredita que outros dispositivos apresentados no anteprojeto de lei são satisfatórios, especialmente no que diz respeito aos conhecimentos tradicionais e à repartição de benefícios.

¿Esses são, de fato, os objetivos principais da lei¿, afirma Vélez, que foi secretário-executivo do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) entre 2003 e 2007. ¿O texto, a princípio, nem precisaria tratar de coleta científica.¿

Uma das novidades propostas pelo projeto é a criação de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) que incidiria sobre todos os produtos desenvolvidos a partir de conhecimentos tradicionais ou de recursos genéticos da biodiversidade brasileira.

O dinheiro arrecadado por essa Cide, então, seria dividido entre o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), para fomentar novas pesquisas, e um novo Fundo de Repartição de Benefícios do Recurso Genético e dos Conhecimentos Tradicionais Associados (Furb), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. Os recursos do Furb, por sua vez, seriam aplicados meio a meio em programas de conservação da biodiversidade e proteção dos conhecimentos de povos tradicionais, como indígenas, quilombolas e caiçaras.

Dessa forma, aponta Vélez, todos os cientistas e comunidades tradicionais serão beneficiados por uma descoberta, mesmo que não tenham contribuído diretamente para ela. ¿Na minha opinião, é um mecanismo excelente¿, defende Vélez. ¿Esse é o filé da lei, que resolve de maneira efetiva como se deve fazer a repartição de benefícios no Brasil.¿

O Ministério da Agricultura discorda. ¿Nós abominamos essa Cide¿, afirma Roberto Lorena, secretário da Comissão de Desenvolvimento Sustentável da Agricultura. ¿A lei deveria incentivar a pesquisa e não taxá-la. O Brasil já não conhece a sua biodiversidade; se tivermos de pagar imposto para conhecê-la, aí é que vamos continuar no escuro mesmo.¿

Para Henry Novion, do ISA, o projeto não foi suficientemente discutido com a sociedade, muito menos com os povos tradicionais. ¿Não adianta simplesmente jogar o texto na internet. As populações que vivem no meio da floresta nunca terão acesso a isso¿, disse. ¿A impressão é que eles querem jogar essa batata quente para o Congresso e o Congresso que se vire com ela. Mas o risco de um projeto complicado como esse ficar eternamente tramitando é enorme.¿

No conjunto, diz Novion, o APL é um avanço. ¿Mas, quando entra nos detalhes, está cheio de furos, erros e duplicação de competências. Não é, nem de longe, um projeto de lei aceitável.¿

O secretário do MMA, João Paulo Capobianco, garante que a consulta pública ¿é para valer¿ e que todas as sugestões serão consideradas. ¿Em vez de manter as negociações dentro do governo, decidimos que seria melhor colocar algo na mesa e abrir a discussão para a sociedade¿, explicou.

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