Título: Lula ensaia ataque ao capital especulativo
Autor: Abreu , Beatriz
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/03/2008, Economia, p. B4

Medidas anunciadas por Mantega tentam reduzir facilidade de ganhos

Beatriz Abreu

Sem alarde, e numa ação dissociada da política do Banco Central, o governo fez nova inflexão na política econômica e introduziu uma trava no ingresso de capitais estrangeiros que buscam ¿o ganho financeiro fácil¿ no Brasil. Tema de todos os programas do PT, a taxação do chamado ¿capital especulativo¿ ficou jogada ao relento durante os cinco anos e três meses de administração petista porque pode colocar em xeque o grau de confiabilidade do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

¿A fronteira estava totalmente aberta. Agora, nós estamos exigindo o passaporte¿, disse uma fonte, fazendo blague com o assunto que tomou conta do noticiário na mesma semana das medidas econômicas - a questão dos brasileiros barrados no aeroporto de Madri.

Idealizador da medida sobre o ingresso de capitais, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, faz o teste de quebrar esse dogma com um procedimento cirúrgico: impõe uma alíquota de 1,5% do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) somente sobre os recursos que ingressam no País para aplicações em renda fixa e títulos públicos.

Não se trata de afugentar o investidor de longo prazo, que é bem-vindo ao País, mas é o primeiro passo de uma ação que pode resultar em alíquotas mais elevadas, caso se observe uma enxurrada de capitais em busca da especulação.

EFEITO MODESTO

O alvo do momento são as operações conhecidas como ¿carry trade¿, aquelas em que um investidor obtém um empréstimo em dólar a custo mais baixo, traz o dinheiro ao Brasil, compra reais e utiliza os recursos para fazer aplicações em títulos públicos ou fundos de renda fixa. Ao final, ganha nas duas pontas, ou seja, com a valorização do real ante o dólar e com a taxa de juro paga pelo Tesouro, uma das mais altas do mundo.

A ameaça velada de novas investidas sobre o ¿capital especulativo¿ foi percebida pelos investidores e registrada nas análises das agências de rating, que reagiram às medidas cambiais, anunciadas pelo ministro Mantega na semana passada. Além do pedágio no ingresso de capitais, o governo eliminou o IOF sobre as exportações e suspendeu a prática de ¿cobertura cambial¿, que obrigava os exportadores a trazerem ao País 70% das receitas de exportações. Para as agências de risco Standard & Poor¿s, Moody¿s Investors Service e Fitch, são medidas de efeito ¿modesto¿, seja na tentativa de conter a valorização do real, seja na de estimular as exportações.

O gradualismo da ação de Mantega pesou favoravelmente ao Brasil e não jogou por terra a expectativa do governo de que, ainda neste ano, as agências colocarão o País no grau de investimento, ou seja, de uma economia sem riscos, um porto seguro. O ¿pacotinho cambial¿ do ministro da Fazenda não taxou as aplicações em bolsas de valores e as subscrições em lançamento de ações (IPOs), os empréstimos e investimentos estrangeiros diretos e as operações de derivativos em renda variável e em índices de ações.

Os estudos para ampliar a taxação que já incide sobre os empréstimos em moeda estrangeira feitos por bancos e empresas estão prontos e podem ser adotados a qualquer momento. Atualmente, essas operações são taxadas em 5,38% se os recursos permanecem no País pelo prazo de três meses.

MOMENTO FAVORÁVEL

O governo mirou o ¿capital especulativo¿ no momento favorável da economia, apesar da crise americana e do risco de uma recessão prolongada nos Estados Unidos. A economia cresceu 5,4% no ano passado, puxada por investimentos (13,4% maior) e pelo aumento de 6,5% no consumo das famílias. E tudo indica que o mercado interno manterá o ritmo acelerado neste ano. Segundo Mantega, a economia cresce ao ritmo de 6% em 2008.

Essa ¿demanda robusta¿, no entanto, pressiona os índices de inflação e põe em alerta o Banco Central, que brecou o processo de queda da taxa Selic - os juros básicos da economia - para conter a inflação na meta de 4,5% definida para este ano. Com a Selic em 11,25%, investir no Brasil é bom negócio, porque são juros elevadíssimos para os padrões internacionais. É esse cenário de uma economia estável que tem atraído os capitais externos que chegam ao País e ¿derretem¿ o dólar.

O dólar fraco no mundo e no Brasil já contamina a balança comercial, o que preocupa o Ministério da Fazenda a tal ponto que Mantega convenceu o presidente Lula a ouvir economistas como o ex-ministro Antonio Delfim Netto, Luiz Gonzaga Belluzzo, o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Na pauta, a potencial ¿crise externa¿ no rastro da baixa cotação do dólar.

¿O presidente foi convencido da necessidade de taxar o capital especulativo para conter a desvalorização do real¿, disse uma fonte do governo. Segundo essa fonte, ¿não há uma crise¿ entre Mantega e Meirelles, pois este se rendeu à decisão.

A resposta do BC, no entanto, veio na ata do Copom, divulgada no dia seguinte. No documento, o BC revela a intenção de os diretores elevarem a Selic. Se a alta se confirmar, na reunião do Copom do próximo mês, a taxação sobre ingresso de capitais no Brasil se torna inócua. O mesmo acontecerá se o Federal Reserve (Fed) - o banco central dos Estados Unidos - reduzir, como se espera, os juros americanos para aliviar o peso da recessão. Ou seja, a taxa de juros brasileira ainda continuará a atrair os investidores.

CÂMBIO FLUTUANTE

A taxação do ingresso de capitais dá nova coloração às marcas do distanciamento entre as posições do Ministério da Fazenda e do Banco Central. Essa é a segunda inflexão importante na política econômica. A primeira aconteceu no ano passado, quando Mantega saiu vitorioso e confirmou, por meio de decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN), a meta de inflação deste e do próximo ano em 4,5%, contra a posição do Banco Central e do Ministério do Planejamento de uma meta mais estreita, de 4%.

Se prevalecesse, na época, a posição do BC, certamente o Copom já teria aumentado a taxa Selic para trazer a inflação para a meta no curto e médio prazos. Leia-se: inflação baixa no período pré-eleitoral. Aliás, um compromisso que Meirelles cumpriu, com êxito, na campanha de reeleição de Lula.

Na sexta-feira, o presidente comentou as medidas cambiais e absorveu as críticas de que não terão efeito prático no curto prazo. Lula dividiu a paternidade do ¿pacotinho¿ entre Mantega e Meirelles, embora o BC não seja um entusiasta da tributação do capital estrangeiro.

Tampouco entre seus economistas está clara a tese de que um problema na balança comercial hoje tenha potencial - como se avaliou na reunião com o presidente - para se desdobrar em catástrofe no balanço de pagamentos no curto prazo.

A tese de economistas do BC considera que o câmbio flutuante deve absorver um déficit em conta corrente (que reflete as transações com o exterior), causado por um menor saldo comercial. A aposta é na dinâmica da política de câmbio flutuante. ¿Câmbio flutua, para cima ou para baixo, fazendo um movimento de ajuste nas contas externas¿, ironizou uma fonte.

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