Título: Metade dos deportados é de classe média
Autor: Fávaro, Tatiana
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/03/2008, Metropole, p. C3

Conclusão é de pesquisa realizada entre 2005 e 2006 em Cumbica com mulheres e transexuais barrados na Europa

É uma tendência o crescimento do número de mulheres de classe média barradas em países europeus por serem vistas como potenciais perfis de imigração irregular e turismo sexual. A conclusão é da coordenadora associada do Núcleo de Estudos de Gênero (Pagu) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Adriana Piscitelli.

A professora foi coordenadora técnica em 2005 e 2006, no Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos, de um levantamento feito a pedido do Ministério da Justiça sobre brasileiros barrados em países como Portugal, Espanha, Inglaterra e França. ¿Para barrar essas mulheres e impedir que elas entrem no país, o que se usa é a retórica da prostituição¿, resume.

Na primeira pesquisa - quantitativa -, a professora abordou 226 pessoas. Das 175 mulheres e transexuais que responderam a questionários, 76% contaram que haviam sido impedidos de pisarem em território europeu. Outros 22% foram deportados e 2% não responderam adequadamente às questões. ¿Não é um parâmetro estatístico, mas é um indicador de tendência¿, explica.

Na segunda pesquisa, realizada em 2006, a professora tentou qualificar o público. Ouviu 73 pessoas impedidas de entrar em países europeus e se assustou com os relatos, que podem ser lidos na página do Ministério da Justiça na internet (www.mj.gov.br, nos links Segurança Pública/Tráfico de Pessoas/Publicações).

Ao ver as reportagens sobre a Operação Madri, da Polícia Federal, em que seis pessoas foram presas em Mato Grosso e Goiás acusadas de tráfico internacional de mulheres para fins de prostituição na Espanha, Adriana disse apenas ter confirmado uma outra conclusão já tirada durante os estudos: ¿O problema é político e social. A maneira como algumas dessas mulheres é tratada é absurda. Mas é difícil lutar contra isso.¿ Abaixo, trechos da entrevista com a pesquisadora:

Quantas mulheres deportadas foram entrevistadas e que traços comuns a senhora encontrou nelas?

Foram dois estudos em Guarulhos, em 2005 e 2006, procurando indícios de tráfico de mulheres entre aquelas que chegavam deportadas ou que voltavam sem ter conseguido permissão para entrar no país. A primeira intenção, de fazer uma pesquisa quantitativa, foi frustrada porque essas pessoas chegavam furiosas e não queriam responder. Então não tivemos número suficiente de questionários respondidos para transformar a pesquisa em estatística. Mas pudemos identificar a problemática dos tratos bárbaros que essas mulheres sofriam, a humilhação quando eram detidas. Outra coisa que chamou a atenção foi a quantidade de pessoas deportadas (após serem flagradas sem documentação) ser muito menor do que as impedidas de entrar nos países, indicando que o que se usa é a retórica da prostituição, para barrar essas mulheres.

A senhora falou em retórica da prostituição, mas o turismo sexual e o tráfico de mulheres existem.

Falo de exploração da prostituição, de uma relação entre política migratória e pavor (no caso de irregularidades), por isso disse que o que se usa é a retórica da prostituição. Essas coisas são muito dinâmicas. E, embora o tráfico de mulheres exista, perceba que o drama das inadmissões era maior: 76% foram impedidos de chegar, de entrar nos países de destino, enquanto os deportados chegavam a 22% na pesquisa de 2005.

Esse número cresceu de uma pesquisa para outra?

Na pesquisa de 2006, metade dos entrevistados disse que queria tentar ficar irregularmente no país para o qual viajava. A outra metade era composta basicamente por gente de classe média que queria visitar um parente ou viajar a turismo. O que chamava mais a atenção do que o número de deportados e impedidos era o drama dessas pessoas.

As mulheres eram, na maioria, impedidas por serem classificadas como potenciais perfis para turismo sexual?

Havia certa obsessão quando o assunto era tráfico de mulheres. Por isso o drama dessas mulheres acabava se sobrepondo aos números, à parte quantitativa da pesquisa. Os relatos de mulheres que tentaram entrar em Portugal, Espanha, Inglaterra e França são tenebrosos. O trato que elas receberam assusta, assim como o quanto a situação é humilhante. E assustava mais o mau tratamento do que as alegações sobre possíveis profissões que essas pessoas fossem assumir.

Que características comuns a senhora identifica entre as pessoas ouvidas na pesquisa e o caso das pessoas presas na semana passada na Operação Madri? Em sua opinião, há solução para o problema dos imigrantes?

A comunidade de brasileiros na Espanha ainda é pequena, mas cresceu muito em relação ao que era. E rapidamente. Por isso, provavelmente, tantos são barrados. No caso da semana passada, essas meninas são visivelmente de classe média. Mas isso a gente consegue enxergar. Para os setores de imigração, trata-se de potenciais imigrantes irregulares futuramente, pois eles não fazem essa diferenciação sutil que fazemos. A maneira como algumas dessas mulheres são tratadas é absurda. Mas é difícil lutar contra isso. Tem país que pede voucher de hotel pago. Isso não existe! A gente nem sequer paga um hotel antes quando vai viajar, atualmente. Então, na verdade, esse é um problema político, social. Não vejo uma saída, mas penso que uma ação política mais ampla, não só relativa ao Brasil, possa ajudar. Porque esses maus tratos não são exclusivos para brasileiras.

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