Título: Crise nos EUA acende luz amarela no Japão
Autor: Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/03/2008, Economia, p. B18

Valorização do iene ante o dólar ressuscita o fantasma da estagnação

Leandro Modé

O sinal vermelho acendeu para a economia japonesa na semana passada. Em meio à nova onda de turbulência nos mercados globais, o iene alcançou o maior valor ante o dólar desde 1995. Para um país que se recuperou de uma longa recessão graças ao avanço das exportações, uma moeda forte demais pode significar a volta do pesadelo da estagnação.

Em Ginza, famoso bairro de Tóquio conhecido pelas butiques de luxo e pelo visual noturno que lembra a Times Square nova-iorquina, ninguém parece preocupado. O vaivém de homens e mulheres com as sacolas cheias é intenso. Na loja da Apple, jovens se espremem para testar os iMacs, iPods e outras invenções da turma comandada por Steve Jobs.

Não longe dali, na Bolsa de Valores de Tóquio, a reação à alta do iene foi imediata. O Índice Nikkei, o mais importante do mercado acionário japonês, despencou mais de 5% em dois dias e atingiu, na sexta-feira, o nível mais baixo em três anos.

¿O Japão está a caminho de uma nova recessão¿, sentencia o economista-chefe do Banco HSBC para o país, Seiji Shiraishi. Ele explica que, no Japão, o conceito de recessão é diferente do americano e brasileiro. Nesses países, o processo recessivo se caracteriza por dois trimestres consecutivos de crescimento negativo. ¿Aqui, consideramos estagnação quando a produção industrial cai por dois ou três trimestres seguidos¿, diz o economista.

Nas projeções dele, o Produto Interno Bruto (PIB) japonês sairá de um crescimento de 2,1% em 2007 para 1,1% neste ano e 1,6% em 2009. Mas a produção industrial (tomando por base a comparação ano a ano) deve entrar no terreno negativo até meados de 2008.

A razão principal é o impacto, ainda que indireto, da crise americana. Um gráfico preparado por Shiraishi mostra que, entre 1998 e 2008, as exportações japonesas para os EUA caíram quase 20%. No mesmo período, as vendas para a Ásia, em especial para a China, dispararam 70%. Ou seja, à primeira vista, o Japão estaria imune à provável recessão americana.

No entanto, explica o economista, muitos países asiáticos (e aqui novamente a China se destaca) são apenas maquiadores de produtos feitos no Japão. A cadeia, portanto, se fecha. O Japão vende para os asiáticos, que vendem para os EUA. A conclusão de Shiraishi é: o Japão depende muito da disposição do americano de consumir.

Para piorar, a valorização do iene deixa a vida das empresas japonesas bem difícil. O economista do HSBC calcula que, na média, as companhias conseguem ter lucro com o dólar valendo, no mínimo, 106 ienes. A partir daí, a operação entra no vermelho. Na sexta-feira, o dólar fechou abaixo de 100 ienes.

O consolo, nesse caso, é que a moeda japonesa tem apresentado forte valorização apenas ante o dólar. Com isso, em teoria, a provável perda de espaço nos EUA pode ser compensada em outros mercados. Esse tópico, na avaliação de Shiraishi, é chave. Para ele, o Japão pode aliviar sua recessão (e até sair dela mais cedo) se conseguir turbinar as vendas para os emergentes, notadamente para Brasil, Rússia, Índia e China.

¿Até porque, do ponto de vista interno, o Japão pouco pode fazer. Temos a maior relação dívida/PIB do mundo (160%). O governo não pode dar estímulo fiscal, como nos EUA.¿ Reduções nos juros, hoje em 0,5% ao ano, teriam impacto marginal no consumo. Por fim, lembra o economista, não deve haver grandes mudanças na taxa de câmbio no curto prazo.

Na nova economia global, as vendas no luxuoso bairro de Ginza dependem, de alguma forma, do sucesso das empresas japonesas em exportar produtos que depois serão encontrados nas lojas da Rua 25 de Março.

O repórter viajou a convite do governo do Japão

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