Título: Governo libera até construção de castelos
Autor: Carelli, Gabriela ; Zanchetta, Diego
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/03/2008, Cidades, p. C10

Arautos do Evangelho erguem três complexos na mesma área da Serra

Gabriela Carelli e Diego Zanchetta

Para quem cultua o belo e busca a perfeição, não há lugar melhor do que a Serra da Cantareira. Prova disso é a expansão na região dos templos dos Arautos do Evangelho, grupo católico ultraconservador, dissidente da Tradição, Família e Propriedade (TFP), que tem como um dos lemas ¿a beleza salvará o mundo¿. Entre 2005 e 2007, a associação conseguiu licenças ambientais para a construção em quatro terrenos na região. Um deles, na altura do km 14,5 da Estrada de Santa Inês, em Caieiras, é sede do ¿castelo¿, inaugurado no fim do mês passado. É uma edificação impressionante. Os prédios têm colunas de 10 metros de altura, há um salão para cantos gregorianos e aposentos inteiros com chão de mármore. Isso sem falar no espaço para prática de esportes. Os arautos cuidam do corpo com esmero. Fazem muita ginástica - sueca - e gostam de nadar em alto mar.

A menos de três quilômetros dali, no topo de um morro dentro do Residencial Jardim Planalto, também em Caieiras, está em construção um segundo palácio. Há ainda uma terceira obra dos religiosos, cinco quilômetros distante da Represa de Mairiporã, no fim da Estrada da Caceira, no mesmo município. Nos empreendimentos, os arautos poderão dedicar-se ao estudo da música erudita - eles se apresentam em festas litúrgicas e concertos - e aprimorar seus conhecimentos de teologia e filosofia. Dentro do ¿castelo¿ foi construído um seminário e um colégio. Os locais servirão também para reunir os jovens, alvo da missão ¿evangelizadora¿ do grupo.

Todos os empreendimentos seguem as determinações do Departamento de Uso do Solo Metropolitano (Dusm) no que diz respeito às edificações. Mas isso não isenta os Arautos por completo. O Ministério Público Estadual de Caieiras investiga irregularidades, como supressão de vegetação e captação de água em mananciais da serra - pela licença, as obras só podem usar água de poço. As denúncias foram feitas por vizinhos que se sentiram prejudicados.

Mais do que as supostas irregularidades, as obras dos Arautos preocupam os ambientalistas por serem um pólo de atração de milhares de pessoas - o grupo planeja reunir 20 mil jovens em encontros nos fins de semana. ¿Uma obra dessas tem inúmeras implicações¿, diz Márcia Hirota, da Fundação SOS Mata Atlântica. ¿Para que as pessoas cheguem lá, estradas precisam ser abertas no meio da serra - e as fotos revelam que isso já está acontecendo¿, acrescenta a ambientalista. ¿Sempre que há um projeto grandioso em execução, é preciso levar em conta o surgimento de moradias em áreas próximas da obra.¿

A Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo informou que os Arautos, sob o nome jurídico de Associação Cultural Nossa Senhora de Fátima, conseguiram as licenças com pareceres favoráveis da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb). Outros dois pedidos de expansão para empreendimentos estão sob análise do governo.

Em contrapartida às concessões, os religiosos terão de averbar 20 hectares de terra e replantar 32.191 mudas de espécies nativas. Do total, o grupo replantou 2.722 árvores, segundo resposta oficial encaminhada ao Estado. Religiosos afirmaram também cumprir compromissos firmados com o governo. Um terço do terreno do primeiro templo, de mais de 9 hectares, será destinado à reserva ambiental, garantiu o grupo.

CELIBATÁRIOS

Reconhecidos em 2001 pelo Vaticano como Associação Internacional de Fiéis do Direito Pontifício, os Arautos dedicam-se quase por completo à vida religiosa - seus integrantes passam até 15 horas por dia em estudos da Bíblia e ensaios de cânticos gregorianos. O grupo pratica o celibato e defende o criacionismo.

Integrantes da cúpula são chamados de ¿consagrados¿. Eles moram em casas dentro dos próprios templos, erguidos com o dinheiro de doações. Mulheres participam do movimento, mas residem em espaços próprios. Há regras para tudo. Existe uma seqüência para lavar os dedos da mão e o lado correto de vestir e despir roupas. ¿Buscam-se a simetria perfeita e a beleza dos movimentos¿, explica um texto da Revista Arautos, publicação do grupo.

As roupas dos Arautos diferem da tradicional veste católica. A batina medieval tem a estampa da cruz de Santiago, para lembrar o calvário. A corrente no pescoço é sinal de devoção a Nossa Senhora, assim como o rosário pendurado. As botas de cavalaria lembram o arauto de que ele é um mensageiro de Deus e deve estar pronto para percorrer o mundo.

EXPANSÃO

Em pouco menos de sete anos de reconhecimento, o grupo espalhou-se por 62 países, com 1 milhão de fiéis. No Brasil, além dos três templos na Cantareira, mantém dois colégios de ensino infantil e fundamental. E tem 200 imóveis. Ordem religiosa, o grupo pode ter padres ordenados, formados em centros teológicos próprios.

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