Título: A aprovação da TV Pública
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/03/2008, Notas e Informações, p. A3

Quando a política se transforma em vale-tudo, vale a lei do mais forte. Fazendo-a valer, o governo conseguiu aprovar no Senado, na madrugada de ontem, a medida provisória (MP) que cria a TV Pública. Foi o desfecho de uma jornada deprimente, em que a intransigência de uns e a esperteza de outros reduziram a pó o que ainda pudesse haver de esperança na construção, antes tarde do que nunca, de um relacionamento minimamente civilizado entre as forças alinhadas com o Planalto e a fronda oposicionista. Mais: ficou escancarado que, além do seu uso abusivo, pelo qual os presidentes de turno exercem a supremacia sobre o Congresso, na era Lula as MPs podem se prestar também a artimanhas de varejo para a manipulação do processo legislativo. E a oposição, radicalizada, não tem do que se queixar quando o outro lado a faz provar do próprio veneno. Tanto pior para o País.

Desde que subiu ao Senado, depois de uma tramitação que estourou os prazos previstos, a MP da TV Pública foi alvo da guerrilha parlamentar do PSDB e do DEM para que morresse na praia. Afinal, se não fosse aprovada até o próximo dia 21, Sexta-Feira da Paixão, simplesmente caducaria. Em outras palavras, ou ela seria apreciada entre anteontem e hoje, quinta-feira - ultimo dia da semana em que o Parlamento brasileiro vota -, ou dependeria de um milagre: a existência de quórum em plena Semana Santa. Na sessão da terça-feira, a oposição recorreu aos artifícios que estavam a seu alcance para deixar no limbo a MP da discórdia, a terceira da fila. Conseguiu arrastar por mais de 5 horas a discussão em torno da primeira delas, relativa à Eletrobrás, na expectativa de repetir a dose no caso da segunda, sobre a aposentadoria dos trabalhadores rurais autônomos, forçando o adiamento da votação da MP da TV.

Os senadores oposicionistas aproveitaram o dia para discorrer sobre temas de alta indagação, como a devassa, autorizada pela Justiça, no apartamento do falecido senador Antonio Carlos Magalhães, numa disputa por sua herança, até a proibição a uma jornalista de entrar no plenário por causa do seu traje. Se essas manobras são permitidas pelas regras do jogo (duro), o mesmo se dirá do troco recebido. Votada a muito custo a MP da Eletrobrás, o líder do governo Romero Jucá, do PMDB, armou a sua rasteira, no papel de relator da medida das aposentadorias. Já de si, a história dessa MP é reveladora de como se fazem as leis no Brasil. No ano passado, sempre por medida provisória, Lula ampliou a aposentadoria rural. A matéria chegou ao Senado em meio à polêmica da CPMF. Para não atrasar a votação da respectiva MP, o Planalto revogou a outra - e essa revogação é que estava na ordem do dia anteontem.

Diante de uma oposição embasbacada, Jucá anunciou o seu parecer contrário à medida, alegando que não era nem relevante nem urgente. Ficou, portanto, aberto o caminho para a MP da TV. Apanhados no contrapé, os oposicionistas debandaram - não sem antes bater boca, aos berros, com os adversários. Às 2h29, enfim, a MP passou em votação simbólica. 'Quem observou esta sessão com imparcialidade viu lamentavelmente que não nos comportamos à altura de nossas responsabilidades', desabafaria, ao final, o presidente da Casa, Garibaldi Alves. 'Esse governo está ajudando na queda das nossas instituições. Merece uma resposta, mas não é essa que Vossas Excelências (a oposição) estão dando. A resposta é votar...' Em dezembro, votando unida, a oposição acabou com o imposto do cheque - mas o resultado teria sido outro sem as defecções na base majoritária.

Para prevenir uma recidiva, Lula foi ao mercado. Entregou os cargos que faltava entregar e cobrou reciprocidade dos aliados. Na terça-feira, chamou seus 'companheiros' à ordem. 'A composição está feita. Agora é votar', determinou. 'Quem não quer votar é porque não quer ficar no governo. Está na hora de medir forças com a oposição. Não podemos ficar reféns da minoria.' E ainda se permitiu um comentário carregado de realismo: 'Se o governo estivesse com 10% de aprovação e 90% de rejeição, tudo bem. Mas, bem avaliado como está, não dá para entender por que a base não dá sustentação.' Lula tinha em mente a aprovação do Orçamento, mas a primeira conseqüência do enquadramento foi a votação da TV Pública.

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