Título: Êxodo de brasileiros faz cidade de Massachusetts virar fantasma
Autor: Mello, Patrícia Campos
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/03/2008, Metrópole, p. C4

Brazucas deixam o país por perseguição da polícia e falta de trabalho; com dívidas, empresários fecham as portas

Patrícia Campos Mello

O centro de Framingham, a cidade-símbolo dos imigrantes brasileiros nos Estados Unidos, está às moscas. Muitos dos estabelecimentos dos brazucas - lojas, supermercados, padarias - fecharam as portas na cidade do Estado de Massachusetts. Muita gente se prepara para partir. Placas de aluga-se estão por toda parte. Os imigrantes brasileiros foram atingidos em cheio pela perseguição da polícia de imigração, a recessão econômica e a crise das hipotecas - e Massachusetts vive um êxodo de brazucas.

Na agência de turismo Chang Express, a grande maioria das passagens vendidas para o Brasil é só de volta. As remessas de dinheiro para o Brasil encolheram mais de 50%. ¿Está um horror¿, reclama uma gerente. Sebastião Canuto, da empresa de mudanças Confiança, nunca esteve tão ocupado. Chegou a fazer mudança todos os dias em dezembro, carregando móveis do pessoal que está voltando para o Brasil.

Nas calçadas das cidades com maior concentração de brasileiros, como Allston, Framingham, Milford , Everett e Marlborough, costumavam se juntar 50 pessoas esperando uma van passar e levá-las para as construções. Agora, não tem quase ninguém.

O paranaense Sirley Alvez Garcia, de 54 anos, estabeleceu um prazo - se as coisas não melhorarem até julho, ele volta para o Brasil. ¿Moro aqui há nove anos e a situação nunca esteve tão ruim¿, diz Garcia, que esperava debaixo de chuva fria algum trabalho, ao lado de vários outros brasileiros. Carpinteiro e operário de construção, ele costumava a trabalhar pelo menos oito horas por dia. Agora, faz mais de um mês que não consegue nenhum serviço.

¿Antes não dava tempo nem de escovar os dentes, todo mundo tinha três empregos para mandar dinheiro para casa. Agora, a gente tem um serviço e olhe lá¿, diz a baiana Marlúcia Narciso, da Global Remessas. ¿Muita gente fica esperando o dólar subir para enviar.¿

Mineira de Governador Valadares, Vera Dias Freitas vai fechar as portas de sua joalheria daqui a três meses. A Vera Jewelers, que também vende celulares, fica bem no centro de Framingham. A loja tinha quatro funcionários. Vera mandou todos embora e agora se reveza com o marido no balcão. ¿Não é só crise, é perseguição¿, diz Vera. ¿Tem muito brasileiro com medo de sair na rua por causa da imigração, por isso eles nem vêm nas lojas¿, diz. ¿Olha essa comunidade, essas lojas vazias, nós estamos todos quebrados.¿ Vera vendeu sua casa - ¿uma mansão¿ - e mudou para um apartamento pequeno. Ela tem mais de US$ 100 mil de dívida no cartão de crédito. Vai começar a trabalhar com limpeza.

O Centro Bom Samaritano, que ajuda imigrantes brasileiros a encontrar trabalho, recebia cerca de 50 brasileiros por mês até 2006. No ano passado inteiro, só apareceram 18. Antes, o centro ajudava recém-chegados a encontrar emprego. Agora, a maioria dos casos é de brazucas de outros Estados dos EUA, onde a situação está pior. ¿Tem muita gente vindo da Flórida, onde o setor de construção está muito ruim, e da Carolina do Sul e Geórgia, onde a imigração está pegando¿, diz Erika Abreu, assistente administrativa no Centro.

Não há números precisos, uma vez que grande parte é ilegal, mas estimativas de líderes da comunidade apontam que, no ano passado, entre 5 mil e 7 mil imigrantes foram embora da região. Neste ano, entre 7 mil e 10 mil partirão. ¿A pressão psicológica está muito grande, além da crise econômica¿, diz Fausto da Rocha, diretor do Centro do Imigrante Brasileiro.

Massachusetts tem a segunda maior comunidade de brasileiros, com 230 mil imigrantes. Em primeiro lugar estão empatados os Estados de Nova York e New Jersey, com 300 mil cada um, e em terceiro, a Flórida, com 180 mil, seguida da Geórgia (60 mil) e Califórnia (60 mil a 80 mil). Só 20% são imigrantes legalizados, seja com green card ou vistos de trabalho. O resto são ¿indocumentados¿.

DÍVIDAS

Os brasileiros foram as principais vítimas da crise das hipotecas na região. Segundo levantamento do Estado, dos 182 imóveis da cidade de Framingham que estão em pré-execução de hipoteca (já estão inadimplentes), 101 são de brasileiros, ou seja, 56%.

Pablo Maia, dono do Pablo Maia Realty Group, começou a vender imóveis no Brasil porque nos Estados Unidos estava muito parado. ¿Lá no Brasil a situação está boa e o financiamento foi facilitado.¿ Ele tinha 50 funcionários, agora são 30.

Segundo a Câmara de Comércio da região, o êxodo dos brasileiros ainda não afetou a economia. ¿A maioria dos negócios brasileiros só tinha clientes brasileiros¿, diz Ted Welte, presidente da Câmara de Comércio MetroWest, que cuida de empresas de Framingham e dez cidades vizinhas. ¿Mas se os brasileiros continuarem indo embora, certamente vai afetar. Vai piorar a crise imobiliária com todos esses imóveis vazios.¿

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