Título: Flexibilidade impedirá crise semelhante à de 1929
Autor: Dolis, Rosangela
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/03/2008, Economia, p. B11

Para pesquisador, economia americana é muito flexível e responde rapidamente aos incentivos

O agravamento da crise financeira nos Estados Unidos, que levou o Fed, o banco central americano, a cortar em 0,25 ponto porcentual a taxa de redesconto cobrada dos bancos comerciais e a provável redução da taxa básica de juros hoje, não leva o economista Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a concluir que o quadro recessivo atual se aproxime do da crise de 1929. ¿Acredito que a economia americana é muito flexível e responde rapidamente aos incentivos¿, disse o economista. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Vamos repetir a grande depressão dos anos 30?

A profundidade de uma recessão depende menos da profundidade da perda original que produz a recessão e mais de possíveis erros de política econômica cometidos em seguida à perda patrimonial. Acho que a economia americana hoje é muito flexível, os mercados respondem muito rapidamente aos incentivos. Essa flexibilidade impedirá que tenhamos uma crise com a profundidade e a permanência da de 1930. A crise de 30 gerou um ceticismo imenso no funcionamento dos mercados. Esse ceticismo criou uma série de políticas que tornaram os mercados muito rígidos e a recessão mais profunda. Acho que hoje não há esse ceticismo. Acredito que um adequado manejo de demanda agregada, que é o que já está sendo feito com o corte nos juros, seja capaz de evitar que tenhamos uma recessão na profundidade que tivemos nos anos 30. Mas o problema é tão grande hoje, que alguma recessão teremos.

O sr. acha que as medidas tomadas até agora pelo Fed são suficientes para conter a crise?

Acho que é possível que ocorra uma segunda rodada de pacote fiscal para incentivar a demanda. Mas temos de lembrar que a demanda nos EUA está sendo incentivada pelas exportações por causa da desvalorização do dólar. Por outro lado, esse choque positivo de commodities pega os EUA na direção correta. Os EUA ganham quando ocorre elevação de preços das commodities porque eles são um grande produtor.

Como sr. vê o risco de contágio da crise para os países emergentes e para o Brasil?

É muito difícil falar porque esse fenômeno não ocorreu antes: ter uma crise tão profunda nos EUA e uma região do globo, como a China e a Índia, crescendo tanto. O impacto do crescimento da China e da Índia na economia mundial é maior que o impacto da reconstrução da Europa. Ainda não sabemos como essas coisas vão se comportar. O que tem acontecido até agora é que o preço das commodities tem se mostrado como um enorme colchão para evitar que essa crise contamine os países em desenvolvimento. Se houver essa contaminação, ela será pela China porque o Brasil já não está vendendo tanto para os EUA. A contaminação que poderia vir dos EUA já ocorre. As exportações para lá estão caindo. Nós não sentimos porque as exportações para outros lugares estão aumentando.

O sr. acha que o mercado interno será suficiente para compensar a desaceleração das exportações para a China?

Acho que o mercado interno é sempre suficiente. A história mostra que às vezes ele é demais e aí nós batemos numa restrição. O problema do Brasil hoje é muito crescimento.