Título: Faltam 95 centros para dependentes
Autor: Diniz, Laura
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/03/2008, Metrópole, p. C1

O Brasil não tem um serviço público de saúde preparado para atender dependentes de drogas. A crítica, feita pela Organização das Nações Unidas (ONU) no início deste mês, procede. Em São Paulo, por exemplo, segundo diretrizes internacionais adotadas pelo Ministério da Saúde, deveria haver 110 Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps Ad) para 11 milhões de paulistanos - 1 para cada 100 mil. Há 15 e apenas um deles oferece o tratamento que extrapola o atendimento médico para as áreas sociais, como manda o novo modelo de atenção às doenças mentais.

Os Caps foram criados em 2002, em reforma psiquiátrica feita pelo Ministério da Saúde. A idéia era eliminar o modelo focado na internação hospitalar, que isolava o doente da família e da sociedade, precipitava o abandono e praticamente eliminava a chance de reintegração social. Como no filme Bicho de Sete Cabeças, estrelado por Rodrigo Santoro.

O novo sistema busca trazer a família e a comunidade para o tratamento do dependente, para cuidar dele de forma integrada. ¿Não adianta pinçar o sujeito isolado, se o entorno não está sendo visto. Tem de ver o que está acontecendo na vida dele, como está a família¿, explica o psiquiatra Sérgio Seibel, coordenador da Área Técnica de Atenção ao Dependente de Substâncias Psicoativas da Secretaria de Saúde da capital.

O centro que fica na Capela do Socorro, inaugurado em novembro, registrou 180 novos pacientes nos dois primeiros meses de funcionamento, tamanha a demanda reprimida. É o único centro que atende ao modelo universal proposto na reforma - os outros 14 eram ambulatórios de álcool e drogas que mudaram apenas no nome. Além dos tratamentos médicos, tem arte terapia, terapia ocupacional, terapia familiar em grupo, discussões sobre mercado de trabalho e uma parceria com o Centro de Educação Unificado sendo alinhavada. Em situações críticas, o paciente pode passar o dia lá, das 8 às 17 horas. Em casos mais tranqüilos, participa apenas das atividades que quiser.

A psiquiatra Ana Cecília Marques, coordenadora do Departamento de Dependência Química da Associação Brasileira de Psiquiatria, apóia a desospitalização, mas aponta outro problema, além da falta de estrutura: a integração do sistema de saúde como um todo. ¿Falta capacidade de fazer o diagnóstico da dependência¿, criticou. Na prática, ocorre o seguinte: um homem chega a um pronto-socorro com uma hemorragia gástrica, por causa de alcoolismo. Ele é tratado da hemorragia e recebe alta, sem ser diagnosticado como dependente ou encaminhado a um Caps. Seibel concorda: ¿A articulação é rudimentar, quase inexistente, mas é fundamental.¿

Segundo Ana Cecília, dependente sem assistência causa problema social. ¿O custo desse indivíduo é muito alto: tanto para o sistema de saúde, porque ele logo volta com outro problema, como para a sociedade, porque ele tem mais chance de se envolver com violência, acidentes de trânsito e de ter problemas familiares.¿