Título: Dalai-lama ameaça renunciar à chefia de governo no exílio do Tibete
Autor: Trevisan, Cláudia
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/03/2008, Internacional, p. A14

Líder religioso faz advertência caso protestos contra Pequim saiam do controle; China diz que 105 tibetanos se renderam

Cláudia Trevisan, PEQUIM

O dalai-lama afirmou ontem que renunciará ao posto de chefe do governo tibetano no exílio, caso a violência nos protestos contra a presença chinesa no Tibete, iniciados na semana passada, saia do controle. ¿A violência é contrária à natureza humana¿, afirmou o religioso em Dharamsala, na Índia, pedindo o fim das manifestações.

Horas antes, o premiê chinês, Wen Jiabao, acusou-o de ser responsável pelos protestos que deixaram um número ainda desconhecido de mortos desde sexta-feira em Lhasa, capital do Tibete.

A agência oficial Nova China afirmou que 105 participantes das manifestações de sexta-feira se entregaram à polícia até a noite de ontem. A agência não informou se aqueles que se renderam após a zero hora de ontem (quando venceu o prazo das autoridades para que se entregassem) receberão as ¿duras punições¿ que as autoridades haviam ameaçado impor.

¿Há fatos e várias evidências que provam que (os protestos) foram premeditados, concebidos e incitados pela camarilha do dalai¿, disse Wen em entrevista após o encerramento da reunião anual do Congresso Nacional do Povo.

O dalai-lama adotou um tom conciliador em relação à China: ¿Nós não devemos desenvolver sentimentos antichineses. Devemos viver lado a lado.¿ Ainda que renuncie à chefia do governo tibetano no exílio, o dalai-lama continuaria a ser o líder espiritual dos tibetanos. Ele é considerado a 14ª reencarnação do Buda da Compaixão. O próximo dalai-lama só será escolhido após sua morte e será uma nova reencarnação de Buda.

Enquanto o dalai-lama pedia o fim dos protestos, o Centro Tibetano para Direitos Humanos e Democracia, com sede em Dharamsala, relatava a ocorrência de novas manifestações no Tibete e na Província de Gansu, onde 19 manifestantes teriam morrido. Em Katmandu, no Nepal, 50 tibetanos exilados foram presos ao protestar contra a violência no Tibete. Os protestos também se espalharam pela Europa. A polícia de Bruxelas prendeu ontem quatro manifestantes que tentavam invadir a embaixada da China. Em Lausanne, na Suíça, 400 pessoas protestaram na frente do Comitê Olímpico Internacional exigindo o boicote da Olimpíada de Pequim (leia mais no Caderno de Esportes).

Único encontro anual do premiê com a imprensa, a entrevista de Wen surpreendeu pela abertura a temas considerados sensíveis pela China, entre os quais Tibete e violação de direitos humanos. Cinco jornalistas estrangeiros questionaram Wen sobre os confrontos no Tibete. As cifras são divergentes: o governo chinês sustenta que houve 16 mortes; os tibetanos no exílio falam em no mínimo 80.

Normalmente, a chancelaria telefona para alguns jornalistas e pede aos interessados em apresentar perguntas ao premiê que enviem suas propostas para aprovação. Isso permite o controle dos temas que serão tratados e evita surpresas - além de dar uma falsa imagem de liberdade de imprensa. Na entrevista deste ano não houve veto a nenhum tema, conforme o Estado apurou com os jornalistas que apresentaram perguntas.

O premiê respondeu às perguntas durante duas horas e meia. Ele afirmou que o dalai-lama é hipócrita e rejeitou a acusação de que a China pratica ¿genocídio cultural¿ no Tibete. Segundo ele, os protestos revelaram que a afirmação da ¿camarilha do dalai¿ de que busca diálogo pacífico, e não independência, não passa de ¿mentira¿.

O dalai-lama tem sustentado que não defende a independência do Tibete, mas sim um grau maior de autonomia que garanta a sobrevivência das tradições culturais e religiosas dos tibetanos. Depois dos confrontos de sexta-feira, o dalai-lama também disse ser contra o boicote da Olimpíada de Pequim.

A China manterá sua oferta de diálogo com o governo tibetano no exílio desde que o dalai-lama abandone sua suposta pretensão de independência e reconheça que Taiwan, além do Tibete, é parte integrante do país.

Paralelamente, a censura chinesa apertou o cerco aos sites na internet e bloqueou o acesso a vários deles. O YouTube, que trouxe imagens dos confrontos do Tibete, saiu do ar no domingo e continuava bloqueado ontem. Como ocorre sempre, sites ligados a entidades de defesa de direitos humanos também não podiam ser acessados na China.

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