Título: Leão odeia a Cultura
Autor: Chaves, Mauro
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/03/2008, Espaço Aberto, p. A2

Quando a Receita Federal considera dedutíveis do Imposto de Renda (IR) as despesas realizadas pelas pessoas físicas com instrução, deixa clara uma política governamental de incentivo à educação, como algo essencial ao desenvolvimento da sociedade. Mas, quando exclui dessa dedução, expressamente, as despesas com aulas de idioma estrangeiro, de música ou de dança (entre outras especificadas ou presumíveis, por analogia) - conforme o disposto na Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal nº 15, de 6 de fevereiro de 2001, artigo 40, incisos III e V -, o que demonstra é uma brutal ignorância quanto à importância essencial da Cultura e das Artes no processo educacional da sociedade. Em qualquer nação civilizada do mundo, Educação, Cultura e Artes sempre estiveram indissoluvelmente ligadas, sem nenhuma dependência de definições burocráticas do que seja ou deixe de ser ensino ¿regular¿ ou ¿livre¿.

Será que já se cogitou de classificar como ¿regular¿ ou ¿livre¿, para efeitos de dedução fiscal, a Julliard School of Music de Nova York, o The Lee Strasberg Theatre & Film Institute de Nova York e Los Angeles, o The New England Institute of Art de Boston, o The Art Institute of Califórnia de São Francisco, a École des Beaux-Arts de Paris e tantas outras instituições que na Europa e nas demais regiões civilizadas do mundo descobrem, desenvolvem e aperfeiçoam à excelência o potencial criativo das pessoas, no campo fértil da Cultura e das Artes?

O Brasil é um país onde têm brotado talentos em varias áreas de atividade artística e cultural, mas pouco estimulados por um sistema educacional que, a par de ser cada vez mais fraco e deteriorado, põe a Cultura e as Artes num plano estupidamente secundário. É como se, entre nós, de pouco ou nada valesse, no processo de aprendizado de qualquer curso, destinado a qualquer carreira profissional, o aperfeiçoamento da sensibilidade do ser humano, naquilo em que se aprofunda a percepção, o senso estético, o gosto do belo, o entendimento dos valores mais altos da espécie - pois aí estão as funções primordiais da Cultura e das Artes.

Para nossa legislação tributária, se os pais arcam com as despesas de educação de seus filhos em qualquer escola considerada ¿regular¿, mesmo que se trate de uma faculdade-arapuca, dessas que são verdadeiras máquinas de fazer dinheiro - ou ¿caça-níqueis pedagógicos¿ -, produtoras em massa de bacharéis semi-analfabetos funcionais, são eles premiados com a generosidade dedutora do Leão.

Mas, se os pais resolverem deixar que seus filhos desenvolvam sua criatividade num conservatório musical, numa escola de teatro, de dança, de artes plásticas, de circo ou a que mais sua inclinação se revele, não será beneficiado com dedução alguma em sua Declaração de Imposto de Renda.

Quanto à não-dedução de despesas com o aprendizado de idiomas estrangeiros, não é menor a vesguice da Receita Federal, que parece ignorar, solenemente, os grandes prejuízos - não só culturais, mas sobretudo econômicos - causados pelo monolingüismo caboclo. Os brasileiros talvez ocupem o primeiro lugar no ranking mundial da preguiça idiomática. Pessoas já viram patrícios nossos, morando há mais de três anos em cidades norte-americanas, que vão aos bancos com uma plaquinha pedindo ajuda a alguém que fale português - para solicitar aos atendentes as informações mais elementares, para efetuar pagamentos, obter saldos em contas correntes ou talões de cheque. Em qualquer lanchonete norte-americana ou européia, onde (como aqui) os nomes e preços dos sanduíches estão expostos claramente sobre os balcões, é comum ver brasileiros desesperados procurando quem fale português ou espanhol para ajudá-los a perguntar o que tem e quanto é...

Um dos estrangulamentos do turismo receptivo no Brasil é a grande dificuldade de comunicação dos que aqui pretendem comprar produtos e consumir serviços, visto ser raríssima a desenvoltura de profissionais brasileiros (nos hotéis, restaurantes, bares, lojas, táxis, transportes públicos, etc.) em falar outras línguas (embora, às vezes, isso também inclua o português). Locutores em nossas rádios ¿americanizam¿ nomes e palavras em quaisquer outras línguas, como francês, alemão, italiano, holandês, etc. Tudo isso indica que um dos aspectos notórios da deterioração de nosso sistema educacional ¿regular¿ é a ausência do ensino de idiomas, o que contrasta cada vez mais com as necessidades de ¿boa¿ comunicação do mundo globalizado.

É verdade que a ignorância lingüística, entre nós, não é apenas brasileira. Por exemplo, há um franco-argentino (conhecido por sua ligação político-conjugal) que tem um ¿blog de leituras¿ (imaginem!), no qual escreve ghost-righter, querendo referir-se a ghost-writer. Quer dizer, o analfabetismo idiomático acomete até não-brasileiros de dupla nacionalidade... Mas é claro que a Receita Federal deveria preocupar-se mais com um incentivo à abertura de fronteiras de conhecimento, da sociedade brasileira como um todo, o que só é possível com a superação da barreira do monolingüismo.

No dia em que os doutos da Receita Federal entenderem a real importância, para o crescimento - material e espiritual - de nossa sociedade, dos investimentos que os pais façam no aprendizado de línguas, na aquisição de cultura e na experiência da atividade artística de seus filhos, paralelamente a quaisquer gastos com instrução ¿regular¿, este país, de fato, crescerá. Pois Cultura e Arte é que alavancam a consciência crítica de uma sociedade.

Mauro Chaves é jornalista, advogado, escritor, administrador de empresas e pintor. E-mail: mauro.chaves@attglobal.net

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