Título: Peleguismo redivivo
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/03/2008, Notas e Informações, p. A3
É natural que as lideranças sindicais comemorem a decisão da Câmara dos Deputados de legalizar as centrais sindicais e de, revendo decisão anterior, restabelecer a obrigatoriedade do recolhimento do Imposto Sindical. Parte da arrecadação irá para as centrais. Depois de sancionado o texto pelo presidente Lula, as centrais terão existência legalmente reconhecida na estrutura sindical brasileira e, mais ainda, disporão de uma renda que não lhes exigirá nenhum esforço: o dinheiro cairá automaticamente no seu caixa, transferido pelo governo.
Têm motivos, portanto, os dirigentes das centrais sindicais para estarem eufóricos. Mas alguns, como o presidente da Força Sindical, deputado federal Paulo Pereira da Silva, o Paulinho (PDT-SP), exageraram ao pretender que todos os trabalhadores têm motivo para estarem eufóricos. ¿Foi uma vitória dos trabalhadores¿, disse Paulinho, aplaudindo a decisão de seus pares (a proposta foi aprovada pela Câmara por 234 votos a favor, 171 contrários e 6 abstenções).
A decisão da Câmara está longe de poder ser considerada uma ¿vitória dos trabalhadores¿. Estes são, na verdade, os grandes perdedores, financeira e politicamente. Os trabalhadores, sindicalizados ou não, continuarão obrigados - como estão desde 1937, em plena ditadura Vargas - a recolher para o governo o equivalente a um dia de salário.
Esse dinheiro, o Imposto Sindical (em 1967, no tempo do regime militar, seu nome foi modificado para ¿contribuição sindical¿), é recolhido compulsoriamente de empregadores e trabalhadores. Depois, o governo redistribui a maior parte do produto pelas organizações sindicais, na base de 60% para os sindicatos, 15% para as federações e 5% para as confederações, apropriando-se dos 20% restantes. Do dinheiro que retém, o governo destinava a maior parte à formação do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Com as novas regras, as centrais sindicais terão direito à metade da fatia que cabia ao governo, ou 10% do produto total do Imposto Sindical. Receberão, portanto, cerca de R$ 130 milhões ¿de mão beijada¿.
O caráter compulsório da contribuição sindical está na raiz do peleguismo - o sindicalismo comandado pelo Ministério do Trabalho, no qual o poder sindical confunde-se com o poder político. Aquele sindicalismo que o líder sindical autêntico Lula da Silva parecia ter liquidado nos anos 70, até que chegou à Presidência da República. Ainda há sindicalistas sérios, preocupados exclusivamente com as condições de trabalho e de vida dos sindicalizados e dos trabalhadores de suas bases. Mas são minoria. Hoje predominam na estrutura sindical brasileira sindicatos cuja preocupação principal é satisfazer os projetos políticos e pessoais dos seus dirigentes.
As centrais sindicais surgiram na década de 1980 para mudar essa estrutura, para acabar - como diziam dirigentes na época - com a correia de transmissão por meio da qual o governo mandava nos sindicatos. Essa correia é justamente o Imposto Sindical. Agora, gostosamente, as centrais sindicais aceitam que essa correia impulsione também suas finanças.
Se as entidades sindicais querem uma organização de nível mais alto que articule suas ações, papel que teoricamente está reservado às centrais, elas que a sustentem com contribuições voluntárias dos seus filiados. Acrescentar mais uma instância, bem mais poderosa do que as demais, à lista das que já se beneficiavam com o Imposto Sindical é tornar ainda mais difícil a tão prometida extinção desse tributo que retira parcela da renda do trabalhador para sustentar uma estrutura sindical que, na maioria dos casos, não usa esses recursos exclusivamente na defesa dos que os fornecem.
Em outubro, a Câmara acabou com o caráter compulsório da contribuição sindical. O Senado derrubou a decisão e o projeto voltou para a Câmara, que reviu sua decisão anterior. Continua-se falando, no governo, de um projeto que acabará com o imposto compulsório, criando uma certa ¿contribuição negocial¿. É esperar para ver.
Há um dispositivo no projeto aprovado pela Câmara que reduz o espaço para o mau uso do Imposto Sindical. As organizações sindicais terão de justificar ao Tribunal de Contas da União (TCU) o uso do dinheiro que receberem do governo. Espera-se que o ex-líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva não vete esse dispositivo.
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