Título: China busca legitimar ocupação com investimento
Autor: Trevisan, Cláudia
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/03/2008, Internacional, p. A28

Desde o início da década, Tibete é uma das mais beneficiadas por Pequim

A presença chinesa no Tibete é marcada por contradições que começam pelo fato de o ateu Partido Comunista governar um povo para o qual a religião é um componente central da existência.

Lhasa é o retrato do abismo que separa a cultura tibetana da dos chineses da etnia han, que são 91,6% da população da China - os restantes 8,4% reúnem 55 grupos de minorias étnicas, entre os quais os tibetanos. Em uma população de 1,3 bilhão, esses 8,4% representam 110 milhões de habitantes, que têm línguas, religião, costumes e cultura próprios.

O centro antigo de Lhasa é o bairro tibetano, onde estão o Templo Jokhang e o Palácio Potala, lugares de peregrinação diária de centenas de pessoas que recitam mantras enquanto caminham. A arquitetura, as roupas, os sons, a escrita, as lojas - tudo é diferente da parte nova da cidade, ocupada pelos chineses han, muitos dos quais se instalaram no Tibete com incentivo do governo de Pequim.

Com 2,7 milhões de habitantes, o Tibete é uma das menos povoadas províncias do país, mas é a segunda maior em extensão. Pelo menos 60% do território chinês é ocupado por minorias étnicas - em áreas desérticas, montanhosas e de fronteira ricas em recursos naturais.

A população total de tibetanos na China é de 5,4 milhões e sua presença estende-se às províncias de Qinghai, Sichuan, Gansu e Yunnan, em áreas que estão próximas ou que pertencem ao Plateau Tibetano, o ¿teto do mundo¿, onde a altitude média é de 5 mil metros.

O governo de Pequim tenta legitimar sua presença no Tibete com o argumento de que tirou a região do atraso e da pobreza em que vivia antes de 1951 - ano em que os comunistas dizem ter ¿libertado¿ a região e acabado com o regime feudal de escravidão então existente.

Na época, o analfabetismo era de 95% e não havia separação entre Igreja e Estado - o dalai-lama era o líder espiritual e político do Tibete.

Com a invasão chinesa, o dalai-lama perdeu o poder político, mas continuou instalado no Palácio Potala como líder espiritual dos tibetanos.

A China sustenta que a região faz parte de seu território desde o século 13, ano em que teria sido conquistada pela dinastia mongol Yuan.

Quando o Exército chinês reprimiu o levante de tibetanos, em 1959, o dalai-lama e um grupo de seguidores se refugiaram na Índia, onde estabeleceram um governo no exílio. Apesar de impedido de entrar na China desde então, ele continua a ser o principal líder espiritual dos tibetanos.

O atual dalai-lama, Lhamo Dhondub, é considerado a 14ª reencarnação de Buda da Compaixão, numa linha sucessória que começou no século 15. O próximo só será escolhido após sua morte.

Desde o início desta década, Pequim investe pesadamente em infra-estrutura no Tibete. Estradas foram abertas e, no ano passado, foi inaugurada a ferrovia que liga Lhasa a Pequim.

A economia cresce a uma média de 12% ao ano, acima da média nacional, e os indicadores sociais melhoraram. O analfabetismo diminuiu, mas ainda era de 45% em 2005, quando a média chinesa era de 11%.

Até o dalai-lama reconhece que a situação econômica dos tibetanos melhorou nos últimos anos. O líder religioso afirma que não pretende a independência do Tibete, mas um maior grau de autonomia em relação a Pequim.

Os tibetanos no exílio temem que o preço a pagar pelo progresso material seja a perda da identidade cultural de seu povo, que professa uma linha própria de budismo, extremamente místico. Além disso, muitos tibetanos afirmam que os maiores beneficiários da atividade econômica na região são os chineses han, donos dos negócios mais lucrativos.

O temor de Pequim é que as manifestações no Tibete estimulem outras minorias étnicas a também exigirem independência ou maior autonomia, justamente quando a China se prepara para apresentar ao mundo uma imagem de harmonia e unidade internas, durante os Jogos Olímpicos de agosto.

Links Patrocinados