Título: Orçamento desmoralizado
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/03/2008, Notas e Informações, p. A3

O governo federal pretende obter autorização para manter, em 2009, os investimentos em obras já iniciadas, mesmo sem dispor de um orçamento aprovado pelo Congresso. Neste ano, a proposta de lei orçamentária só foi aprovada em março, com atraso de quase três meses. Quando isso ocorre, o Tesouro pode liberar dinheiro para algumas despesas de custeio, como a folha de pessoal, e para o pagamento da dívida pública. Investimento, só se houver restos a pagar, correspondentes a verbas empenhadas no ano anterior, mas não desembolsadas. Foi esse o dinheiro aplicado em obras, até agora, neste início de 2008.

A situação tornou-se particularmente dramática para o governo, nestes meses, porque, sem autorização para novas despesas de capital, não seria possível iniciar obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o item principal, até agora, da política econômica de longo prazo.

Para evitar o risco de interrupção de obras no próximo ano, o Executivo estuda a inclusão de uma cláusula preventiva na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Essa lei, proposta anualmente ao Congresso em abril, estabelece as prioridades e as normas de elaboração e execução do orçamento federal. Quando tudo ocorre de acordo com o figurino, a LDO é aprovada pelo Parlamento até o fim de junho. Com base nesse texto, o Executivo elabora a proposta de lei orçamentária nos dois meses seguintes para entregá-la aos congressistas até o dia 31 de agosto. Se tudo continuar de acordo com as normas, o Orçamento-Geral da União será aprovado por deputados e senadores até dezembro, antes do grande recesso parlamentar, e em poucos dias será sancionado pelo presidente da República, para entrar em vigor no primeiro dia do ano.

Mas o figurino tem sido com freqüência ignorado pelos congressistas. No ano passado, a LDO atrasou mais uma vez. A proposta orçamentária foi elaborada antes da aprovação final das diretrizes, mas nem assim se respeitou o prazo de tramitação até o fim do ano. Como o Congresso rejeitou a renovação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), foi preciso ajustar o projeto de orçamento. O Executivo tentou conseguir a aprovação do texto no começo de fevereiro, no reinício dos trabalhos legislativos, mas não conseguiu.

A pouca seriedade no trato das questões orçamentárias, no Brasil, é bem conhecida. Não houve surpresa, portanto, quando a aprovação da proposta da lei orçamentária mais uma vez atrasou. Como o governo pode gastar com o custeio essencial e com o serviço da dívida 1/12 das verbas previstas para o ano, a administração federal não fica totalmente paralisada e a vida continua, num arremedo de normalidade. Mas o Tesouro não pode financiar novas obras nem realizar certas transferências. Tudo isso é quase rotineiro no Brasil.

A pouca seriedade em todos esses procedimentos é uma das marcas da administração pública brasileira. Como o orçamento não é impositivo, mas autorizativo, o governo pode manejar as verbas arbitrariamente, ignorando, por exemplo, os projetos vinculados a emendas parlamentares ou subordinando a sua execução a conveniências político-partidárias. Mas essa história tem outra face: como os congressistas costumam rever e inflar as projeções de receita para acomodar seus interesses, um orçamento impositivo poderia ser desastroso para as finanças públicas.

Nessas condições, a pretensão do Executivo de incluir na LDO uma cláusula preventiva, para evitar a interrupção de obras já iniciadas, pode parecer razoável e realista. Esse ¿realismo¿, no entanto, é perigoso. A aprovação de uma cláusula desse tipo é mais um passo para a desmoralização completa do processo orçamentário - um dos componentes mais importantes de uma administração pública responsável, transparente e democrática.

Por que não tomar o caminho oposto e tentar, a partir de agora, criar a rotina de um tratamento sério das questões orçamentárias? Por que não fazer valer, por exemplo, o prazo para aprovação do orçamento, impedindo-se o Congresso de encerrar as atividades antes de cumprir essa obrigação? Por que não mudar o sistema de emendas e de reestimativa de receitas? Sem uma discussão de questões como essas, será uma irresponsabilidade adotar o orçamento impositivo.

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