Título: Dalai-lama afirma que não tem poder para pôr fim aos protestos
Autor: Trevisan,Cláudia
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/03/2008, Internacional, p. A12

Pequim envia 400 caminhões com soldados para o Tibete; governo americano reitera apelo por diálogo

A China ampliou drasticamente sua presença militar no Tibete nos últimos dois dias, diante da dificuldade em controlar manifestações que se espalharam para o interior da região e para outras províncias do país. Os protestos continuam a ocorrer, apesar de o dalai-lama ter ameaçado na quarta-feira renunciar à chefia do governo tibetano no exílio caso a violência na região não chegasse ao fim.

Ontem, o líder espiritual dos tibetanos afirmou que é incapaz de interromper a onda de rebeldia iniciada no dia 10. ¿Eu não tenho autoridade. Eu não tenho o poder de dizer ao movimento para calar-se¿, declarou o dalai-lama em entrevista na cidade indiana de Dharamsala, sede do governo no exílio.

Cerca de 400 caminhões carregados de soldados fortemente armados se dirigiram ao Tibete na quarta-feira, segundo relato de um repórter da BBC, que não revelou sua localização em razão do veto de Pequim à presença de jornalistas estrangeiros na região.

A presença militar também foi reforçada nas províncias vizinhas de Qinghai, Sichuan e Gansu, onde violentos protestos contra o governo chinês ocorrem desde o início da semana. Ontem, pela primeira vez, a agência oficial de notícias Nova China reconheceu que as manifestações ultrapassaram as fronteiras do Tibete. A agência também admitiu que a polícia abriu fogo contra manifestantes no domingo em Gansu, deixando quatro feridos. Segundo a Nova China, a polícia ¿agiu em defesa própria¿.

Cerca de metade dos 5,4 milhões de tibetanos que vivem na China estão nas províncias de Qinghai, Sichuan, Gansu e Yunnan, que integram ou estão próximas do Platô Tibetano, a mais alta região do mundo, com altitude média de 5 mil metros.

Imagens de protestos ocorridos em uma zona rural de Gansu na quarta-feira foram registradas por uma emissora canadense de TV e divulgadas ontem. As cenas mostram um grupo estimado em mil pessoas, lideradas por homens a cavalo, tentando invadir um prédio do governo local.

BANDEIRA TIBETANA

Os manifestantes, entre os quais mulheres e crianças, foram dispersados pela polícia com bombas de gás lacrimogêneo e se dirigiram a uma escola, onde rasgaram a bandeira da China e a substituíram pela tibetana - proibida pelo Partido Comunista. A multidão repetia slogans como ¿Independência do Tibete¿, ¿Vida longa ao dalai-lama¿ e ¿O Tibete pertence aos tibetanos¿.

Autoridades chinesas anunciaram o indiciamento de 24 pessoas e a rendição de outras 170 que teriam participado dos protestos em Lhasa, capital do Tibete, na sexta-feira passada. A estimativa do número de mortos na manifestação e no choque com a polícia varia de 16, segundo o governo de Pequim, a pelo menos 80, de acordo com o governo tibetano no exílio. Os exilados afirmam que houve outras 19 mortes nas províncias vizinhas do Tibete.

Os protestos tiveram início no dia 10 para marcar o 49º aniversário do fracassado levante de tibetanos contra o domínio chinês, em 1959, que levou ao exílio do dalai-lama na Índia. Mas a situação ameaçou sair do controle na sexta-feira, quando Lhasa foi palco da mais violenta manifestação contra a presença chinesa na região desde 1989, quando a lei marcial vigorou no Tibete por 13 meses.

Ontem foi divulgado o primeiro vídeo independente dos protestos em Lhasa, realizado pelo turista australiano Michael Smith. As imagens mostram tibetanos com barras de ferro atacando lojas e a entrada de tanques na cidade para reprimir os manifestantes.

O dalai-lama afirmou que está pronto para encontrar-se com os líderes chineses e discutir a situação do Tibete, se algo ¿de concreto¿ puder ser atingido.

Em Washington, a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, reiterou ontem seu apelo para que a China atue com moderação e busque o diálogo. ¿Estamos preocupados com a situação no Tibete¿, afirmou Condoleezza. ¿Pedimos há vários anos que a China abra o diálogo com o dalai-lama, que é uma personalidade reconhecidamente oposta à violência¿, acrescentou. ¿Ele defende a autonomia cultural do povo tibetano, mas já deixou bem claro que não busca a independência.¿

Na terça-feira, o primeiro-ministro da China, Wen Jiabao, declarou que está aberto ao diálogo, desde que o dalai-lama renuncie a qualquer pretensão de independência tibetana e reconheça que tanto o Tibete quanto Taiwan são parte integrante da China.

Como assinalou Condoleezza, o líder espiritual dos tibetanos sustenta que não defende a independência da região, mas sim um maior grau de autonomia. O dalai-lama também rejeita a proposta de boicote à Olimpíada de Pequim, defendida por ativistas tibetanos mais jovens e radicais.

O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, informou ao Parlamento de seu país que se encontrará com o dalai-lama para discutir a situação do Tibete. Brown disse que conversou por telefone com Wen na quarta-feira. Segundo o premiê britânico, seu colega chinês confirmou estar pronto para conversar com o líder tibetano exilado, desde que as condições impostas pela China sejam cumpridas.

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Qin Gang, disse que seu governo está ¿seriamente preocupado¿ com a mensagem que o eventual encontro entre o dalai-lama e Brown transmitirá ao mundo. ¿O dalai é um refugiado político engajado em atividades para dividir a China sob uma camuflagem religiosa¿, declarou Qin Gang.

ESCALADA DA TENSÃO

10/3: Tibetanos participam de protestos pacíficos organizados por monges em Lhasa para marcar o 49.º aniversário do fracassado levante contra o domínio chinês, em 1959, quando o dalai-lama foi para o exílio na Índia

11/3: Cerca de 100 tibetanos exilados partem de Dharamsala, na Índia, numa marcha programada para chegar ao Tibete durante a Olimpíada, que começa em 8 de agosto. A manifestação é dispersada pela polícia indiana

14/3 : Choques em Lhasa entre manifestantes e a polícia deixam 16 mortos, segundo Pequim, ou 80 mortos, segundo o governo tibetano no exílio. A comunidade internacional pede moderação

15/3 : Governo chinês dá um prazo de dois dias para que os manifestantes se rendam. As autoridades proíbem as viagens de estrangeiros ao Tibete

16/3: Distúrbios se espalham para mais três províncias. O dalai-lama acusa a China de ¿genocídio cultural¿

17/3: Os EUA afirmam que não boicotarão os Jogos Olímpicos de Pequim, apesar dos violentos confrontos

18/3: Dalai-lama ameaça renunciar ao posto de chefe do governo tibetano no exílio caso a violência nos protestos saia do controle. As autoridades tibetanas informam que dezenas de ativistas se entregaram à polícia

19/3: China reforça suas tropas no Tibete e afirma travar uma ¿luta de vida ou morte¿ com a ¿gangue de dalai-lama¿. Milhares de tibetanos saem às ruas em Hezuo, na Província de Gansu, rasgando bandeiras chinesas e hasteando tibetanas

20/3 : Dalai-lama diz que não tem poder para acabar com os protestos. Emissoras de televisão chinesas mostram imagens de alguns dos tibetanos presos nos últimos dias