Título: Evitar risco para o sistema é obrigação dos BCs
Autor: Macedo, Fausto
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/03/2008, Economia, p. B3

Entrevista. Alkimar Moura: professor de Economia da FGV e ex-diretor do Banco Central. Economista faz um paralelo entre a intervenção dos Bcs no mercado e o Proer brasileiro, em 1995

Cley Scholz

Crises no mercado habitacional são duradouras, alerta o professor de Economia da FGV e ex-diretor do Banco Central Alkimar Moura. Segundo ele, a turbulência global desencadeada pelo mercado hipotecário nos Estados Unidos só vai se acalmar quando os preços dos imóveis se estabilizarem e cada agente financeiro assumir sua parte no prejuízo. Na entrevista a seguir, ele faz um paralelo entre a intervenção dos bancos centrais no mercado e o socorro patrocinado pelo BC brasileiro em 1995, quando ele era um dos diretores. ¿É uma espécie de Proer global, mas o nosso custou pouco ao contribuinte¿, diz. ¿Evitar risco para o sistema bancário é obrigação dos BCs.¿

Até quando dura a crise?

O maior problema é justamente esse, é impossível prever a duração e extensão. É uma crise que começou com menos de 2% do mercado americano, com os empréstimos hipotecários, e hoje afeta US$ 53 trilhões em ativos. A crise espalhou-se pelo mercado de crédito americano e pelo mercado financeiro internacional. Aqueles créditos viraram ativos colocados em fundos, que têm investidores em todo o mundo. A crise local virou global.

O maior grau de globalização torna a crise mais grave?

Sim, a velocidade das operações ajuda a tornar a crise mais ampla. O mercado reage mais rapidamente, assim como as informações circulam muito mais, no bom e no mau sentido. As informações ruins acabam tendo efeito mais danoso. A desregulamentação também piora as coisas. Muitos desses fundos que absorveram os ativos podres não são regulados. Existem 11 mil fundos de hedge não regulados hoje no mundo. Ninguém sabe a composição dos ativos e os riscos embutidos. Por isso, é impossível avaliar a extensão e a profundidade da crise.

Mais um ano?

Crises no mercado habitacional são longas. Porque é preciso esperar um ajuste econômico do ativo, no caso a queda no preço dos imóveis, e isso demora. Cada um terá de assumir sua parte no prejuízo: o tomador do crédito que comprou o imóvel, o banco que emprestou, o investidor no fundo que ficou com o crédito, o incorporador que construiu e vendeu o imóvel, enfim, toda a cadeia do mercado imobiliário. Além disso, existem as seguradoras. Elas deram garantias de que os créditos seriam honrados.

A crise pode afetar o Brasil?

O Brasil aparentemente está protegido. O controle cambial deixa pouca opção ao investidor brasileiro para investir no mercado internacional. Existe controle de câmbio, principalmente na conta capital. Os investidores do País estão razoavelmente protegidos.

O esforço dos bancos centrais dos países ricos é uma espécie de Proer em escala global? Dá para traçar um paralelo com o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer) lançado em 1995, quando o sr. estava no Banco Central?

O esforço é semelhante. É um esforço para evitar o risco sistêmico, o risco de a dificuldade de um banco afetar os demais e provocar uma reação em cadeia que derrube o sistema bancário. Esse é o pesadelo de qualquer banco central. A autoridade monetária precisa tomar medidas para evitar esse tipo de coisa. Uma delas é pegar o banco em dificuldade, separar os ativos bons dos ruins e vender a parte boa a outra instituição, assumindo a parte ruim. É o que foi feito com o Bear Stearns e terá de ser feito com outros, se for o caso.

No Brasil deu certo?

Sim, o Proer foi um programa bem-sucedido e custou pouco para o contribuinte brasileiro.

Quanto custou? (A CPI dos Bancos concluiu que o custo do Proer foi de R$ 43,3 bilhões)

Não dá ainda para estimar, mas nada que se compare às crises bancárias da América Latina e Europa, que enfrentaram problemas semelhantes.

O Proer global está dando certo?

Os bancos centrais têm por obrigação resolver o problema de liquidez. O mercado monetário não pode ficar travado por dificuldade de negociação entre bancos. Se um banco negocia com o outro e recebe garantia que ele não sabe avaliar, ele não fecha a operação, e o mercado trava. Os bancos centrais precisam garantir liquidez, atuando como emprestador de última instância. Esse é o papel do BC: resolver o problema de ajuste de caixa entre as instituições. O problema mais importante, que é o econômico, implica o ajuste de perdas. A situação só se normalizará quando os preços dos imóveis se normalizarem.

A turbulência muda os juros no Brasil?

Tudo depende da extensão das conseqüências da crise americana. Se afetar o consumidor americano e derrubar o consumo, a situação tende a piorar. Se piorar muito e afetar o crescimento da China, indiretamente o Brasil vai sofrer com a recessão dos dois mercados. Mas o efeito China, por enquanto, parece improvável.

O Brasil está descolado da crise por enquanto?

Do ponto de vista financeiro não dá para se descolar. As bolsas flutuam em razão das notícias nos Estados Unidos, o câmbio se ajusta, a taxa futura de juros também. O mercado é um só. Já a economia real pode, sim, permanecer descolada da crise.

Quem é: Alkimar Moura

É Ph.D. em Economia Aplicada pela Standford University.

É professor de pós-graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).

Ex-diretor de Política Monetária do Banco Central, trabalha atualmente como consultor

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