Título: Inflação e renda
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/03/2008, Notas e Informações, p. A3

Entre os petistas e aliados do governo ainda há muitos defensores da idéia de que a preocupação central das autoridades deve ser o crescimento, mesmo à custa de inflação. Para esses governistas, um pouco de inflação não faz mal a ninguém e, por isso, condenam a política antiinflacionária do Banco Central. Felizmente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece ter entendido os efeitos danosos da inflação, especialmente para os assalariados, chegando a classificá-la, como fez num pronunciamento em Araraquara há duas semanas, de ¿uma doença desgraçada¿.

Se as palavras de Lula não bastaram para convencer esses governistas de seu equívoco sobre a inflação e os seus efeitos na vida das pessoas, a leitura de um estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) os ajudaria a entender melhor as coisas. Trata-se do balanço das negociações dos reajustes salariais de 2007, feito pelos técnicos do Dieese - instituição que, convém lembrar, é mantida pelos sindicatos e onde iniciaram a carreira muitos dos que hoje apóiam o governo ou ocupam cargos na administração federal -, no qual ficam claros os efeitos perniciosos da inflação sobre a renda dos trabalhadores.

Para comparar os reajustes salariais conquistados pelas diferentes categorias profissionais com os ¿ganhos¿ da inflação, o Dieese toma como base os acordos e convenções coletivas assinados pelos sindicatos de trabalhadores. Utiliza como medida da inflação o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do IBGE, o indicador mais adequado para aferir a evolução do custo de vida dos trabalhadores e o mais utilizado como parâmetro nas negociações salariais.

A conclusão do estudo do Dieese é clara. Há uma ¿estreita relação entre inflação e resultados das negociações salariais¿. Quanto mais alta inflação, mais difícil é a reposição da renda dos trabalhadores, corroída pela elevação dos preços. Já nos períodos em que a inflação se desacelera, os acordos tendem a ser melhores para os trabalhadores. Ou, como diz o estudo do Dieese, ¿à medida que o INPC acumulado se reduz, aumenta a proporção de negociações com reajustes iguais ou superiores a esse índice¿.

Em 2003, por exemplo, quando a alta do INPC alcançou 17,4%, apenas 42,3% dos acordos salariais analisados pelo Dieese produziram reajustes iguais ou superiores à inflação. No ano seguinte, quando a variação do INPC foi bem menor, de 6,6%, nada menos do que 80,9% dos acordos produziram reajustes salariais iguais ou superiores à inflação.

É claro que há outros fatores, além da inflação, que influenciam as negociações salariais das diversas categorias profissionais diretamente com seus empregadores ou com os respectivos sindicatos patronais. A evolução do mercado de trabalho, o desempenho da economia, as expectativas em relação ao futuro da economia do País são alguns deles.

Nos últimos anos tem havido uma combinação muito favorável desses fatores e o resultado está na proporção crescente dos acordos salariais que asseguram aumentos reais aos empregados. No ano passado, por exemplo, de 715 acordos examinados pelo Dieese, nada menos do que 627, ou 88% do total, asseguraram reajustes superiores à evolução do INPC. Em 2006, o índice também tinha sido alto - de 86% do total de acordos examinados.

Entre 1996 e 2003, apenas em dois anos a proporção de acordos que concediam aumentos reais superou 50%. Em 2004, alcançou 55% e vem subindo de maneira ininterrupta desde então. Não são, na média, aumentos reais altos. Aproximadamente 70% dos acordos garantiram ganhos reais de até 2%. Mas esses ganhos salariais foram e estão sendo, junto com a farta oferta de crédito, um importante estímulo à demanda interna, que tem impulsionado a atividade econômica.

O aumento da renda média dos trabalhadores tem sido compensado pelo aumento da produtividade da economia ou absorvido pelos empregadores, que não o repassaram para os preços. Assim, os salários crescem sem exercer pressão inflacionária. Nem o mais renitente ¿desenvolvimentista¿ do PT teria do que reclamar. Mas eles não precisam de motivo para reclamar - fazem-no por reflexo condicionado.

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