Título: Médicos não sabem diagnosticar dengue
Autor: Rodrigues, Alexandre
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/03/2008, Vida&, p. A30

Rede privada de atendimento enfrenta as mesmas dificuldades de preparo e estrutura que a pública, e apresenta mesma taxa de letalidade

As dificuldades dos hospitais públicos do Rio para lidar com as complicações da dengue que podem levar à morte já chegaram à rede privada. Com a epidemia, superlotação, espera, médicos e enfermeiros sobrecarregados e deficiências na infra-estrutura laboratorial são uma realidade compartilhada pelas unidades de emergência destinadas a quem tem plano de saúde ou pode pagar pelo atendimento.

Os hospitais particulares também acompanham os públicos na taxa de letalidade. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, das 31 mortes confirmadas até sexta-feira, nove ocorreram em unidades privadas, número parecido com o registrado nas redes federal e estadual (oito em cada uma) e na municipal (seis).

Segundo o presidente da Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Estado do Rio, José Carlos de Souza Abrahão, a corrida às 120 unidades de emergência particulares da cidade provocou aumento de mais de 50% no número de atendimentos. A maior sobrecarga se dá na pediatria por causa do principal tipo de vírus em circulação, que tem vitimado crianças. Das 48 mortes confirmadas em todo o Estado do Rio, metade é de crianças e adolescentes. Na capital, são 22 crianças mortas de um total de 31 vítimas.

Os pais reclamam da incapacidade dos médicos de fazer o diagnóstico. Eles dizem que as unidades tentam evitar exames e internações que poderiam salvar vidas. Há relatos de crianças que morreram depois de ter a dengue descartada por diagnósticos vagos, como o de ¿virose¿.

Segundo Abrahão, os hospitais particulares estão contratando profissionais e promovendo treinamentos para identificar e lidar com sintomas da dengue. Ele admite sobrecarga, mas nega que o número alto de mortes tenha relação com despreparo ou a qualidade do atendimento.

A situação mais sensível é a dos pediatras, surpreendidos pela concentração do surto entre crianças. Segundo Fátima Goulart Coutinho, presidente da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio, reconhecer a dengue é relativamente simples para pediatras, mas não na velocidade que a epidemia exige. Nos três primeiros dias, não há como precisar o diagnóstico, e a doença se confunde com uma virose.

FALTA DE ESTRUTURA

Para o presidente do Sindicato dos Médicos do Rio, Jorge Darze, que recorreu ao Ministério Público contra as três esferas de governo pelo descontrole da dengue, interessa aos gestores ¿justificar na falta de experiência dos médicos a sua incapacidade¿. Segundo ele, o problema não é o despreparo dos médicos, que lidam com a dengue há décadas, mas a falta de condições de trabalho.

¿Os hospitais particulares também estão lotados. Muitos orientam pacientes que precisam de hidratação a irem para casa e retornarem no dia seguinte, numa internação a prestações. Não é um problema de orientação médica, mas de estrutura. Faltam leitos e laboratórios que façam exames rápidos¿, critica Darze.

Para o Ministério da Saúde, o alto número de mortes no Rio tem relação com a baixa qualidade da rede de atenção básica. Em Campo Grande (MS), onde só em janeiro de 2007 houve 20 mil casos - mesmo número que o Rio este ano -, houve só duas mortes.

Inspirado na experiência de Mato Grosso do Sul, o secretário estadual de Saúde do Rio, Sérgio Côrtes, disse que pretende capacitar profissionais das redes pública e privada. Nesta semana, o prefeito de Campo Grande, Nelson Trad Filho (PMDB), que é médico, vai ao Rio falar da experiência da capital, que atingiu bons resultados mobilizando catadores de lixo, promovendo pulverizações e reforçando a rede de atendimento.

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